Descrição de chapéu guerra israel-hamas

Palestino-israelenses se dizem perseguidos por opiniões sobre a guerra

Cidadãos árabes que vivem no país relatam ameaças e detenções após publicações contra resposta de Tel Aviv

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John Reed
Financial Times

Dalal, uma palestina com cidadania israelense que se destacou como cantora, foi à polícia no início deste mês para denunciar ameaças online feitas contra ela.

Mas foi Dalal quem acabou sendo presa —aparentemente por postar uma bandeira palestina nas redes sociais, ao lado da frase "não há vencedor além de Deus", no dia dos ataques do Hamas em Israel. Ela foi levada pela polícia de sua cidade natal, Nazaré, e ficou detida por dois dias.

Destruição após bombardeio no sul da Faixa de Gaza - Mahmud Hams/AFP

A prisão de Dalal —e a raiva provocada por sua postagem— tem sido um dos muitos incidentes desde o ataque do Hamas que testaram os limites da democracia de Israel, seu compromisso com a liberdade de expressão em tempos de guerra, bem como o tecido social de suas comunidades mistas, onde judeus e palestinos vivem lado a lado.

Ainda abalada pelo dia mais sangrento da história do país em 7 de outubro, no qual 1.400 pessoas foram mortas, segundo estimativas oficiais, a maioria judaica de Israel tem mostrado pouca paciência com expressões de dissidência de palestino-israelenses.

Defensores dos direitos humanos afirmam que dezenas de cidadãos palestino-israelenses foram presos, assediados, perderam seus empregos ou enfrentaram processos disciplinares por declarações e postagens nas redes sociais sobre a guerra, que também matou mais de 8.000 pessoas em Gaza, segundo autoridades do território.

Palestinos atingidos pela repressão —desde Dalal, uma neurocientista que se tornou cantora, até jogadores de futebol e estrelas de cinema— afirmam que há uma campanha coordenada de figuras de direita na maioria judaica israelense para demonizá-los, alimentar o rancor nacionalista e sufocar vozes críticas em tempos de guerra.

Embora cada caso seja diferente, o suposto assédio e as medidas legais têm aumentado as tensões nas comunidades mistas da nação e reavivado questões sobre as proteções aos direitos das minorias e à liberdade de expressão sob o governo de Binyamin Netanyahu.

Enquanto os judeus israelenses traumatizados lamentam os mortos no ataque mais mortal da história do país, que eles compararam ao 11 de Setembro e a Pearl Harbor, palestinos estão revivendo seus próprios traumas que remontam à criação de Israel.

Os 2 milhões de palestinos que possuem cidadania israelense —um quinto da população— são herdeiros da geração que se encontrou dentro das fronteiras de Israel após o que os palestinos chamam de nakba, ou "catástrofe", da guerra árabe-israelense de 1948. Cerca de 5,4 milhões de palestinos vivem na Cisjordânia ocupada e na Faixa de Gaza.

Alguns líderes políticos árabes-israelenses proeminentes foram rápidos em condenar os ataques transfronteiriços do Hamas, em declarações acolhidas por judeus israelenses liberais. Eles incluíram membros do Knesset como Ahmad Tibi, que denunciou "atrocidades contra civis". "Na moralidade humana não há seletividade, não há meia moralidade; o assassinato de crianças é o assassinato de crianças", disse.

No entanto, outros palestinos com cidadania israelense, como Dalal, têm sido mais francos em sua oposição à declaração de guerra de Israel contra Gaza —e se tornaram alvos de uma reação negativa.

"Não é nem mesmo discriminação, é opressão", disse Hassan Jabareen, fundador e diretor geral da Adalah, um centro jurídico sediado em Haifa focado nos direitos dos palestinos.

"A discriminação é entre dois grupos diferentes, mas a opressão é me tratar de forma diferente porque sou palestino, me excluir porque sou palestino, calar minha boca porque sou palestino."

A cantora, cujo nome completo é Dalal Abu Amneh, autorizou seu assistente pessoal a publicar a mensagem nas páginas do Facebook e Instagram. Logo após a postagem viralizar, a cantora ligou para seu advogado, Abeer Baker, que lembra de Dalal dizendo: "Estou sendo atacada, as pessoas estão usando essa frase e minha foto em todos os lugares, chamando-me de nazista, ameaçando-me".

O marido de Dalal, Anan Al-Abassi, que trabalha em um hospital na cidade de Afula, tornou-se um alvo, com israelenses exigindo que ele fosse demitido. Dalal apagou a postagem antes de entrar em contato com a polícia para fazer sua reclamação e foi presa na mesma noite, de acordo com seu advogado.

Dalal, que juntamente com seu marido recusou pedidos de entrevista, foi libertada com a condição de que não fizesse mais declarações sobre a guerra. Um porta-voz da polícia israelense não retornou um pedido de comentário, mas a polícia disse que as acusações contra ela incluíam comportamento que poderia levar a distúrbios públicos, ameaçar policiais e impedir que a polícia cumprisse seus deveres.

A fricção comunitária entre palestinos e israelenses judeus tem aumentado durante conflitos anteriores entre Israel e o Hamas, incluindo em 2014 e 2021, quando distúrbios violentos se espalharam por cidades israelenses com grandes populações árabes.

Desta vez, segundo ativistas, a reação contra os palestino-israelenses tem sido mais rápida e feroz, embora as tensões não tenham se transformado em violência, como ocorreu em 2021 e neste ano na Cisjordânia ocupada. Isso possivelmente ocorre porque as autoridades israelenses deixaram muito claro que não tolerarão protestos de "solidariedade" ou mensagens pró-palestinas de dissidência.

"Não acredito que haja qualquer comunicação entre os lados", diz Daniel Seidemann, advogado israelense especializado em geopolítica em Jerusalém, sobre a divisão aberta no país. "Não sabemos o que eles estão pensando e vice-versa".

A polícia israelense disse no início deste mês que rejeitaria permissões para manifestações em apoio aos palestinos em Gaza. Um porta-voz disse que, caso alguém faça um protesto em favor de uma "organização terrorista nazista que cometeu um Holocausto", a polícia "organizará um ônibus para levá-los à Faixa de Gaza".

A Adalah, centro jurídico, disse que está monitorando 99 casos de reclamações apresentadas contra estudantes palestinos em universidades israelenses por postagens em redes sociais, o que resultou em dezenas de audiências disciplinares ou suspensões.

O grupo também disse que está monitorando 161 processos criminais em todo Israel relacionados a crimes de discurso.

O escritório do procurador-geral de Israel anunciou no domingo que havia apresentado quatro acusações contra cidadãos palestino-israelenses por "incitar o terrorismo" e outras acusações. As postagens que resultaram em acusações, segundo a conta do procurador-geral, violaram a lei ao elogiar ou incentivar a violência ou o próprio Hamas.

Na terça-feira, a polícia de Nazaré prendeu Maisa Abd Elhadi, uma atriz palestino-israelense, por uma postagem no Instagram que mostrava um trator rompendo a barreira de segurança de Israel com Gaza sob as palavras: "Vamos fazer estilo Berlim". Após sua prisão, a mídia israelense publicou uma foto dela, aparentemente tirada pela polícia, que a mostrava algemada e embaixo de uma bandeira israelense.

Mas palestino-israelenses e defensores dos direitos humanos dizem que muitos ou a maioria dos comentários que desencadearam assédio ou ações legais eram declarações não violentas. Em muitos casos, as pessoas detidas foram liberadas sem acusações.

Eles afirmam que muitos dos casos foram denunciados às autoridades por israelenses judeus que monitoram as contas de redes sociais dos palestinos em busca de conteúdo pró-palestino, postagens com bandeiras palestinas ou slogans ambíguos que possam ser interpretados como apoio ao Hamas.

Lubna Tuma, advogada de direitos humanos, disse que os procedimentos disciplinares universitários que ela viu foram desencadeados por estudantes israelenses que apresentaram uma reclamação. Contas no Telegram também vasculham as postagens de redes sociais dos palestinos.

"O ambiente está super, super tenso, e as pessoas estão realmente com medo", disse Diana Buttu, advogada e ativista palestino-israelense. "O Estado, juntamente com esses vigilantes, persegue-nos, e não há ninguém para nos proteger."

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