Guerra Israel-Hamas desencadeia onda de antissemitismo na Europa

Tensões estão especialmente altas na França, lar de uma grande população muçulmana

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Guy Chazan Leila Abboud Adrienne Klasa
Berlim e Paris | Financial Times

Na última semana, judeus que vivem na capital da Alemanha, Berlim, têm acordado com uma visão arrepiante: estrelas de Davi pichadas nas portas da frente de seus prédios de apartamentos.

A polícia diz que houve apenas três incidentes desse tipo. Mas para muitos, eles são um eco doloroso da década de 1930, quando os soldados nazistas marcavam os negócios de propriedade judaica e instigavam a população a fazer compras em outros lugares.

As pichações refletem um aumento significativo nas ameaças e insultos direcionados aos judeus na Alemanha após o ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, quando atiradores mataram mais de 1.400 civis e soldados israelenses e sequestraram dezenas de outros.

Ativistas palestinos comemoraram o ataque distribuindo doces nas ruas de Berlim.

A imagem mostra duas pequenas bandeiras (estrela de Davi e pombo carregando ramo) em apoio a Israel nas mãos de duas pessoas; não é possível ver o rosto delas
Vigília do lado de fora de uma sinagoga em Berlim na última sexta-feira (13) - John MacDougall/AFP

Felix Klein, comissário do governo para a vida judaica na Alemanha, disse que os judeus do país estavam "chocados com o antissemitismo demonstrado por grupos muçulmanos e organizações de extrema esquerda".

Essas tensões podem piorar à medida que a violência aumenta. Israel ordenou que 1,1 milhão de residentes no norte de Gaza deixassem suas casas antes de uma esperada invasão terrestre em grande escala, enquanto as forças israelenses continuam seu bombardeio na faixa densamente povoada.

Autoridades de saúde palestinas afirmam que mais de 2.800 pessoas —muitas delas mulheres e crianças— foram mortas no enclave desde o início dos bombardeios.

À medida que o conflito se aprofunda, judeus em toda a Europa temem se tornar alvos convenientes da raiva muçulmana em relação à operação militar de Israel em Gaza.

As tensões estão especialmente altas na França, lar de uma grande população muçulmana e da maior comunidade judaica depois de Israel e dos Estados Unidos.

Conflitos no Oriente Médio frequentemente desencadearam um aumento nos incidentes antissemitas. No sábado (14), o ministro do Interior francês, Gérald Darmanin, disse que houve 189 ameaças e 65 prisões por comentários ou atos antissemitas na França desde o aumento da violência em Israel e Gaza.

A plataforma online Pharos, que permite às pessoas denunciar discursos de ódio, recebeu 2.449 alertas nos últimos dias. "A maioria dos incidentes são pichações de suásticas ou a reprodução de dizeres como 'morte aos judeus' e pedidos por um levante palestino", disse Darmanin à rádio France Inter na quinta-feira (12). "Houve também ações mais graves, como pessoas presas em escolas ou sinagogas com armas, ou um drone voando sobre um centro cultural judaico."

Em Sarcelles, um subúrbio ao norte de Paris com uma grande comunidade judaica, o rabino René Taieb disse que muitos pais judeus mantiveram seus filhos afastados da escola na sexta-feira (13) em reação a um grande aumento das ameaças antissemitas nas redes sociais.

"Em certas escolas em Val-d'Oise [um departamento a noroeste de Sarcelles], de 600 alunos, nem mesmo 60 apareceram", disse Taieb, que lidera uma comunidade judaica de 40 mil pessoas na região.

"Os próprios professores não queriam levar seus filhos para a escola." Esse medo se intensificou depois que um homem matou um professor em um ataque com faca em uma escola no norte da França na sexta, em um incidente que o presidente Emmanuel Macron disse mostrar a "barbárie do terrorismo islâmico".

Embora o ataque não tenha sido identificado como antissemita, líderes judeus na França e autoridades governamentais veem uma conexão entre ele e o conflito em Israel e nos territórios palestinos. Segundo Darmanin, foram registrados "chamados à ação" por parte de radicais islâmicos.

Imagem mostra uma porta branca com uma estrela de Davi pichada na parte inferior
Pichação de estrela de Davi na entrada de um prédio em Berlim, na Alemanha - Reprodução/X

Robert Ejnes, diretor executivo do Crif, o conselho de associações judaicas na França, disse que todas as escaladas passadas no conflito árabe-israelense tiveram repercussões para os judeus na Europa, embora muitas vezes não haja uma lógica clara por trás dos atentados. "Acho difícil encontrar a ligação entre o apoio aos palestinos e os ataques às sinagogas", disse ele.

De fato, em vez de atacar os israelenses, os apoiadores da causa palestina estão se voltando contra os judeus franceses. No Reino Unido, a Polícia Metropolitana informou que, entre 29 de setembro e 12 de outubro, houve 75 relatos de crimes antissemitas, em comparação com 12 no mesmo período em 2022.

Os incidentes relatados à polícia aumentaram sete vezes em relação ao ano anterior, de 14 para 105. Três escolas judaicas no norte de Londres fecharam temporariamente por motivos de segurança.

A ansiedade também está alta na comunidade judaica da Itália. Lugares públicos foram vandalizados com pichações antissemitas, incluindo suásticas e frases elogiando o Hamas. As palavras "assassinos judeus no forno" foram escritas nas paredes de um hospital em Milão.

Ruth Dureghello, ex-presidente de uma associação da comunidade judaica de Roma, disse que temia que a situação piorasse à medida que Israel intensificasse sua resposta militar aos ataques do Hamas. "No começo, o mundo todo estava com Israel, não havia como estar do outro lado", disse ela, acrescentando que a perspectiva já está "mudando".

Em toda a Europa, as autoridades intensificaram a segurança em sinagogas, escolas judaicas e outras instituições. Darmanin disse que o governo francês "mobilizará os recursos financeiros e humanos necessários para ajudar a tranquilizar os judeus na França".

O governo francês também proibiu todos os protestos pró-palestinos devido a preocupações de que possam "perturbar a ordem pública".

Apesar da proibição, grandes multidões se reuniram em Paris na quinta-feira (12), algumas aos gritos de "assassinos israelenses" e "Macron, cúmplice". Os manifestantes foram dispersados pela polícia usando gás lacrimogêneo.

Olaf Scholz, chanceler alemão, pediu a suspensão do Samidoun, rede de prisioneiros palestinos que organizou as comemorações em Berlim após o ataque do Hamas.

Assim como o governo francês, as autoridades da capital alemã proibiram protestos pró-palestinos, uma medida que alguns grupos de direitos humanos condenaram como uma violação da liberdade de expressão.

O sentimento contra Israel na Alemanha tem sido mais evidente nas escolas, especialmente em cidades com grandes populações muçulmanas, como Berlim.

Klein disse que algumas crianças estavam indo para as aulas envoltas em bandeiras palestinas e fazendo pichações antissemitas nas paredes. Aqueles que defendem Israel "muitas vezes enfrentam hostilidade e pressão" dos colegas. Mas ele disse que o mais preocupante era o perfil das pessoas por trás dos protestos e comemorações pró-Hamas.

Eles não eram sírios e iraquianos que chegaram como parte do grande influxo de refugiados de 2015 e 16, mas "famílias que vivem aqui há muito tempo e têm cidadania alemã".

"Isso mostra que agora temos sociedades paralelas emergindo aqui na Alemanha e que, a integração, em alguns aspectos, falhou", disse ele.

Colaboraram Amy Kazmin, de Roma, e Marton Dunai, de Budapeste

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