O que foi a nakba, o grande êxodo palestino lembrado na guerra Israel-Hamas

Diáspora ocorreu no fim da década de 1940, em meio à independência de Israel e 1º guerra árabe-israelense

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São Paulo

"A segunda nakba está ocorrendo diante dos nossos olhos, desta vez transmitida ao vivo, com cenas compartilhadas nas redes sociais", escreveu o analista político Jehad Abusalim no X, ex-Twitter.

Diante da guerra entre Israel e Hamas, palestinos como Abusalim trazem para seus discursos uma comparação histórica com o êxodo massivo de palestinos no fim da década de 1940, apelidado de "nakba" —palavra em árabe para "catástrofe" ou "desastre".

Mulheres palestinas carregam seus pertences em campo de refugiado de Naher al-Bared durante o êxodo de 1948
Mulheres palestinas carregam seus pertences em campo de refugiados de Naher al-Bared, no Líbano, durante o êxodo de 1948 - UNRWA via Reuters

A referência se deve ao fato de o atual conflito no Oriente Médio mais uma vez produzir um deslocamento forçado de palestinos, desta vez em Gaza, faixa de terra adjacente a Israel, densamente povoada com 2 milhões de pessoas e controlada pela facção terrorista Hamas.

Consequência direta da diáspora no século passado, há hoje cerca de 5,9 milhões de palestinos considerados refugiados —pessoas que perderam seu lugar de residência e seus descendentes, de acordo com o critério da ONU. A enorme maioria está em nações do Oriente Médio.

No Brasil, segundo o banco de dados DataMigra, ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, 222 palestinos solicitaram refúgio em sete anos, de 2016 a 2022.

O que foi a nakba?

O deslocamento de cerca de 700 mil árabes da área outrora conhecida como Palestina no fim da segunda metade da década de 1940 é conhecido como "nakba". A data é lembrada todos os anos em 15 de maio, um dia após a data em que se celebra a independência de Israel.

O calendário está relacionado aos fatores que levaram ao êxodo árabe. A área então conhecida como Palestina pertenceu, até a Primeira Guerra Mundial, ao Império Otomano. Com sua desintegração e a consequente partilha territorial, ficou nas mãos do Reino Unido.

Até que em 1948, após uma série de tratativas, os britânicos deixaram o controle da região, acordando que ali, em uma porção do território, seria fundado o estado de Israel, morada para a população judaica. Israel proclama sua independência em 14 de maio daquele ano.

Mas logo uma guerra bate à porta. A primeira guerra árabe-israelense, entre 1948 e 1949, opôs países árabes da vizinhança e Israel por uma disputa territorial que teve como uma de suas consequências principais o massivo êxodo forçado dos palestinos que antes viviam ali.

Onde estão esses refugiados e em quais condições hoje?

A maior parte dos deslocados está em países da vizinhança, para onde muitos foram a pé no passado. A maior cifra está na Jordânia (2 milhões). Em seguida, estão em Gaza (1,7 milhão), Cisjordânia (871 mil), Líbano (489 mil) e Síria (438 mil).

Muitos deles estão nos chamados campos de refugiados, locais que contam com a ajuda da UNRWA, espécie de agência independente da ONU —pois depende de financiamento externo— que atua ali desde 1949. Há, no total, 58 campos. A maior parte deles está na Cisjordânia.

Em Gaza, o principal ponto do conflito da atual guerra Israel-Hamas, estão oito campos de refugiados. Ao menos dois deles, os de Al-Shati e de Jabalia, já foram alvos de ataques aéreos que partem de território israelense na primeira semana do conflito.

Como essa questão é lida por palestinos e por israelenses?

Como quase todos os assuntos relacionados ao conflito prolongado entre palestinos e israelenses, também a nakba segue em disputa.

Do lado palestino, há o esforço para manter sua memória viva —a Autoridade Nacional Palestina, que, hoje comandada pelo Fatah, é responsável pela Cisjordânia, chegou a emitir um decreto no último mês de maio para criminalizar a negação da nakba.

Mahmoud Abbas, chefe da autoridade e do partido, emitiu a decisão definindo a nakba como "um crime contra a humanidade" perpetrado por "gangues sionistas". São dois anos de prisão aos condenados por esse delito.

Do lado de Tel Aviv, há uma parcela de negacionismo, em especial entre setores mais radicais à direita que dizem que a nakba não ocorreu. O premiê Binyamin Netanyahu, figura que por mais tempo ocupou esse posto em Israel entre idas e vindas, já se colocou contra o emprego da expressão, que alega que espalha uma propaganda contra Israel.

Ainda que eventos históricos com proporções muito diferentes, o termo nakba ressoa para os palestinos de maneira semelhante à maneira como a palavra hebraica "shoah", usada para descrever o Holocausto nazista, entre israelenses e judeus.

Há um ano, quando o instituto alemão Goethe, um braço cultural de Berlim no exterior, organizou em Israel o debate "Compreendendo a dor dos outros, um painel de discussão sobre o Holocausto e a nakba", a resposta foi imediata. A chancelaria em Tel Aviv disse que o ato foi uma "desvalorização do Holocausto" e uma "tentativa manipuladora de criar uma ligação cujo único objetivo é difamar Israel".

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