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Rússia dá sinais de que vai testar míssil movido a energia nuclear

Imagens de satélite mostram movimento de aviões e veículos condizente com testes do tipo em base isolada no ártico

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Riley Mellen
The New York Times

Imagens de satélite e dados de aviação sugerem que a Rússia pode estar se preparando para testar um míssil de cruzeiro experimental movido a energia nuclear teoricamente com um alcance de milhares de quilômetros —ou que já tenha realizado o teste.

As imagens são semelhantes a preparativos feitos em 2017 e 2018 para testes do míssil conhecido como Burevestnik, e mostram movimentos de aeronaves e veículos em uma base na remota região ártica da Rússia, de acordo com análise do jornal The New York Times. A análise também rastreou aviões de espionagem dos EUA na mesma área nas últimas duas semanas, e alertas de aviação têm avisado pilotos para evitarem o espaço aéreo próximo.

Imagem divulgada há cerca de um ano pelo Ministério da Defesa da Rússia do que seria um míssil balístico intercontinental
Imagem divulgada há cerca de um ano pelo Ministério da Defesa da Rússia do que seria um míssil balístico intercontinental - Ministério da Defesa da Rússia - 26.out.2022/Reuters

A Rússia realizou 13 testes conhecidos entre 2017 e 2019, todos sem sucesso, de acordo com relatório da Nuclear Threat Initiative, um grupo sem fins lucrativos com foco no controle de armas. E acidentes podem ser fatais: um míssil lançado em 2019 caiu e eventualmente explodiu durante tentativa de recuperá-lo, matando sete pessoas, segundo autoridades dos EUA.

"É perigoso na fase de teste e desenvolvimento", diz Daryl Kimball, diretor executivo da Arms Control Association. Não está claro se o Burevestnik foi testado novamente desde 2019, mas mesmo com um lançamento bem-sucedido, o míssil ainda estaria a anos de uma "implantação operacional", segundo Kimball.

Em testes anteriores, o míssil não conseguiu chegar nem perto do alcance projetado, estimado em cerca de 22,5 mil km. Autoridades dos Estados Unidos avaliam que durante seu voo de teste mais bem-sucedido, que durou pouco mais de dois minutos, o míssil voou por 35 km antes de cair no mar. Em outro teste, o reator nuclear do míssil falhou, fazendo com que o foguete caísse a apenas alguns quilômetros do local de lançamento. Para que um teste seja bem-sucedido, o reator nuclear do míssil precisa ser iniciado em voo para que o míssil possa cobrir muito mais terreno.

De acordo com o relatório da Nuclear Threat Initiative, o míssil é uma arma retaliatória, destinada a ser lançada após uma eventual onda de ataques nucleares devastar alvos na Rússia. O míssil poderia transportar uma ogiva convencional, mas, na prática, provavelmente carregaria uma carga nuclear, embora menor do que a maioria das outras armas atômicas. O míssil teria o potencial de destruir grandes áreas urbanas e alvos militares, dizem especialistas.

Embora a Rússia tenha compartilhado pouco sobre o projeto específico do Burevestnik, o presidente russo, Vladimir Putin, afirma que ele é movido a energia nuclear. Acredita-se que o míssil seja lançado por um motor de foguete de combustível sólido antes que um pequeno reator nuclear seja ativado em voo, teoricamente permitindo que o míssil permaneça no ar indefinidamente.

O Burevestnik é uma das seis armas estratégicas, juntamente com outras como o míssil balístico Kinzhal e o veículo planador hipersônico Avangard, que Putin apresentou em um discurso em 2018. Na ocasião, ele afirmou que as armas poderiam superar as defesas dos Estados Unidos.

Evidências visuais de preparações de testes recentes na base região ártica incluem imagens de satélite antes e depois.

Em algumas deles tiradas na manhã de 20 de setembro, vários veículos aparecem em uma plataforma de lançamento na base, incluindo um caminhão com um reboque que parece corresponder às dimensões do míssil. Um abrigo para proteção contra o clima da região que normalmente cobre o local de lançamento havia sido movido cerca de 15 metros. À tarde, o reboque havia desaparecido e o abrigo foi movido de volta para sua posição original.

Imagens adicionais capturadas em 28 de setembro mostram a plataforma de lançamento ativa novamente, com um reboque semelhante e o abrigo novamente recuado.

Em 31 de agosto, as autoridades russas emitiram um alerta para uma "área temporária de perigo", aconselhando pilotos de aeronaves civis a evitar parte do mar de Barents, próximo à costa e a 20 km do local de lançamento, conhecido como Pankovo. O aviso foi prorrogado várias vezes e, até este domingo, estava programado para vigorar até 6 de outubro —a Rússia emitiu um alerta semelhante antes de um teste do Burevestnik em 2019.

Além disso, duas aeronaves russas especificamente usadas para coletar dados de lançamentos de mísseis estavam estacionadas cerca de 160 km ao sul do local de lançamento no início de agosto, na base aérea de Rogachevo, de acordo com análise de imagens de satélite feita pela Bellona, uma organização ambiental norueguesa. As aeronaves são de propriedade da Rosatom, a empresa russa de energia atômica. Elas permaneceram naquela base pelo menos até 26 de setembro, de acordo com outras imagens de satélite. Durante os testes do Burevestnik em 2018, aeronaves do mesmo tipo também estavam nas proximidades.

Uma aeronave de reconhecimento da Força Aérea americana também fez pelo menos duas missões ao largo da costa da ilha ártica onde o local de lançamento foi identificado, em 19 e 26 de setembro, de acordo com a plataforma de rastreamento Flightradar24. As duas missões representaram um leve aumento em relação à atividade habitual.

A natureza altamente secreta da iniciativa do míssil Burevestnik e a localização remota do lançamento dificultam determinar se um teste está por vir ou se a arma pode ter sido recentemente testada de novo —ou talvez ambos. Embora testes de lançamento do Burevestnik tenham sido realizados na base ártica no passado, a Rússia também poderia testar apenas o motor de foguete do míssil ou só um de seus componentes.

A Casa Branca se recusou a comentar sobre o caso.

Especialistas dizem que o míssil é perigoso não apenas pela sua capacidade de transportar uma poderosa ogiva nuclear, mas também pelo potencial de liberar emissões radioativas prejudiciais se o míssil explodir ou não funcionar durante um teste.

Se for utilizado, o Burevestnik seria considerado parte do arsenal nuclear da Rússia, tornando-o sujeito a um tratado de redução de armas nucleares que Moscou assinou em 2011. Esse acordo limita o número total de ogivas que o país pode implementar.

Mas, com o tratado, conhecido como New START, prestes a expirar em fevereiro de 2026, o míssil poderia contribuir para "a vanguarda de uma corrida armamentista descontrolada" se nenhum novo pacto substituir o tratado prestes a espirar, diz Daryl Kimball. Em última análise, afirma ele, um teste do míssil seria um "sinal de que a Rússia está seguindo na direção errada".

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