Brasileiro suspeito de ligação com Hezbollah diz à PF que foi ao Líbano, mas se recusou a matar

Homem afirma que recebeu dinheiro para ir a Beirute e só na volta ao Brasil concluiu ter se encontrado com grupo extremista

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Brasília

Um dos investigados pela Polícia Federal por suspeita de envolvimento com extremistas do Hezbollah disse em depoimento que recebeu cerca de R$ 2.200 para viajar ao Líbano em abril deste ano. Segundo sua versão, ele foi orientado, por meio do WhatsApp de um número paraguaio, a ir a Beirute para um encontro.

Sem a presença de um advogado durante a oitiva na PF, o brasileiro alegou que não sabia para que tipo de trabalho estava sendo chamado a fazer e que só descobriu isso na capital libanesa, onde foi entrevistado pelo que seria o "chefe" de um grupo extremista. Só quando voltou da viagem ele concluiu que poderia ser o Hezbollah.

No documento ao qual a Folha teve acesso, há uma série de trechos tarjados de preto —informações ainda sigilosas e importantes para os investigadores. O nome do depoente também não foi divulgado.

Guardas seguram fotos do aiatolá Ruhollah Khomeini, do atual líder supremo iraniano, Ali Khamenei, e do chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, durante funeral de um membro do grupo extremista que foi morto no sul do Líbano - Ahmad AL-Rubaye - 6.nov.2023/AFP

O homem foi alvo de busca e apreensão na quarta (8), em uma operação que a PF deflagrou para prevenir atos terroristas no país. Segundo a polícia, atos preparatórios estavam em andamento para ataques a prédios da comunidade judaica no Brasil.

Dois homens foram detidos e outros dois que estariam no Líbano tiveram seus nomes incluídos na difusão vermelha da Interpol, o canal de foragidos da polícia internacional.

Nesta sexta (10), em continuidade a investigação da operação, a PF cumpriu mais um mandado de busca e apreensão contra um brasileiro residente em Goiás. Trata-se de um desdobramento da investigação, mas até a noite não se sabia o que havia motivado a oitiva.

O investigado que esteve no Líbano disse à PF não saber o nome de quem o recrutou no Brasil, dando apenas algumas características do homem: branco, aproximadamente 1,87m, cerca de 42 anos de idade, cabelos castanhos bem claros, nariz grande, magro e barba clara, de acordo com a sua descrição. O encontro para receber o dinheiro teria ocorrido na estação de trem do Brás, em São Paulo.

Ele também deu a sua versão de como foram os dias em Beirute e de como se deu o contato com o grupo extremista.

O investigado teria sido levado até um beco, próximo a um campo de futebol, e colocado em um veículo de cortina preta que o levou até um prédio. No local, segundo falou à PF, homens armados vestidos de preto o conduziram até uma "sala de entrevista". Ali, um suposto "chefe" o aguardava acompanhado de um segurança, que deixou o local logo em seguida e foi substituído por um tradutor.

O depoente afirmou que não se lembra ou nunca soube o nome das pessoas com quem se reuniu. Também diz não se recordar do nome do primeiro hotel em que se hospedou. Ele disse apenas que saiu de um muito ruim para outro de luxo.

No encontro, o suposto chefe teria dito ao brasileiro que o trabalho para o qual ele havia sido procurado "não era limpo" e que precisava de "gente capaz de matar e sequestrar". Ele, então, teria desconversado e dado a entender que não teria capacidade de fazer o que havia sido solicitado.

"O declarante olhou para o chefe e falou claramente: eu não sou a pessoa certa para realizar este serviço. E afirmou que não queria desperdiçar o tempo deles", segundo o relato à PF.

O tal chefe teria gostado de sua sinceridade e dito que ele não sairia do Líbano sem "aprender algumas coisas". Em seguida, o homem teria usado um quadro branco para fazer alguns desenhos e "instruções para a vida".

O brasileiro afirmou à PF ter imaginado que as pessoas com quem esteve em Beirute seriam de um grupo criminoso e que, "já no Brasil, pesquisou na internet e concluiu que poderiam ser da organização Hezbollah".

Após o encontro, os interlocutores do brasileiro ainda sugeriram outro trabalho —a aquisição de um táxi para trabalhar e colher dados de pessoas. "O declarante afirmou não ter interesse, visto que não tinha relação com sua carreira", diz trecho do depoimento.

Após essa nova sugestão, o brasileiro teria sido levado ao hotel. Ali, solicitaram que ele andasse por Beirute para tirar fotos e justificar sua ida ao país como uma viagem de turismo.

Ainda segundo o brasileiro, houve uma ameaça na última reunião. "No último encontro com o chefe, recebeu dele um abraço e foi informado de que, se os traísse, sofreria consequências muito graves. Que, temeroso, não contou estes detalhes para ninguém."

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