'Crianças-soldado' se multiplicam em meio a guerra de facções na Suécia

País vê aumento de violência por gangues ligadas ao tráfico, que recrutam menores para cometer assassinatos

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Nioucha Zakavati
Uppsala (Suécia) | AFP

Na noite de 13 de setembro, o professor Thomas Cervin, 61, acordou com o barulho de tiros em seu prédio, em Uppsala, perto de Estocolmo. Sua vizinha havia se tornado alvo da guerra entre gangues que semeia o terror na Suécia.

Tiroteios cometidos por "crianças-soldado", prédios destruídos por explosivos caseiros, familiares vítimas de vinganças e noticiários matinais que resumem o número de mortos da noite se tornaram comuns em um país em geral pacífico.

Agentes patrulham principal praça de Rinkeby, na Suécia - Jonathan Nackstrand - 31.ago.23/AFP

"A Suécia nunca viu nada igual. Nenhum outro país europeu vive algo assim", disse o primeiro-ministro Ulf Kristersson no final de setembro, prometendo derrotar esses grupos. "A legislação sueca não foi feita para lidar com guerras entre gangues e crianças soldadas. Mas estamos mudando isso", completou.

Conflitos entre gangues criminosas na Suécia já vinham aumentando nesta última década, motivadas por disputas pelo domínio do mercado de drogas. Mas deram uma guinada drástica no início de 2023, quando uma briga entre grupos rivais resultou em vinganças contra familiares e pessoas próximas dos membros das facções.

O ataque a tiros no prédio em Uppsala, a 70 quilômetros ao norte da capital, tinha como alvo a sogra do líder da gangue Foxtrot, Rawa Majid, conhecido como Raposa Curda. Ela saiu ilesa.

"Não fazia ideia de que ela tinha ligação com ele", afirma Cervin. "É isso que faz tanta gente ter medo. As pessoas envolvidas [na guerra de facções] têm amigos e parentes por toda a parte."

"A situação está totalmente fora de controle: eles começaram a atacar pessoas próximas e pessoas que não têm nada a ver com esses conflitos", faz coro Felipe Estrada Dorner, professor de criminologia da Universidade de Estocolmo. "É uma grande mudança em relação ao tipo de violência que prevalecia até hoje."

‘Cultura de violência’

Desde o início de 2023, a polícia registrou 314 ataques a tiros, que deixaram 47 mortos. A título de comparação, em 2016, o número total de incidentes do tipo foi de 25, e o de óbitos, 7.

Além disso, os autores dos crimes são cada vez mais jovens. Em 2022, a polícia investigou 336 menores com idades entre 15 e 17 anos suspeitos de posse ilegal de arma de fogo, ante 42 em 2012, de acordo com um relatório do conselho nacional para a prevenção do crime. A cifra foi, portanto, multiplicada por oito em um intervalo de dez anos.

Nos subúrbios pobres do país, gangues recrutam adolescentes, incluindo menores de 15 anos, para realizar assassinatos por encomenda em troca de dinheiro, sabendo que eles não podem ser condenados à prisão.

Em alguns casos, os próprios menores "entram em contato com as gangues criminosas" para se oferecer para cometer assassinatos, afirma o chefe da polícia sueca, Anders Thornberg.

A pouca idade torna esses criminosos ainda mais perigosos, segundo Dorner, o professor. "Eles simplesmente não sabem lidar com essas armas", diz ele. Isso frequentemente resulta em transeuntes inocentes feridos ou mortos.

Evin Cetin, advogada de formação e autora do livro "Mitt ibland Oss" (entre nós), sobre esse jovens, afirma que a maioria dos autores de atos de violência está há anos sob o radar dos serviços sociais.

"Eles foram treinados por criminosos. Vivem, comem e respiram uma cultura de violência", afirma. "A maioria dos que conheci tem um olhar vazio e não valoriza nem suas próprias vidas."

O primeiro-ministro sueco —cujo partido, Moderados, é de centro-direita, mas cuja coalizão governista tem apoio da ultradireita— atribui o aumento da criminalidade organizada à política de imigração. É um tema comum na direita europeia, numa argumentação muito questionada por especialistas, mas que encontra ressonância no eleitorado.

A base de sua campanha vencedora no ano passado foi justamente a promessa de leis penais mais rígidas, poderes maiores para a polícia, combate às gangues e mais rigidez sobre a imigração.

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