Descrição de chapéu Governo Biden Estados Unidos

Biden demora quase 20 horas para comentar morte de Kissinger e ressalta divergências

'Nós discordamos com frequência. E, com frequência, fortemente', disse o presidente, que também elogiou intelecto do diplomata

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Washington

A Casa Branca divulgou no final da tarde desta quinta (30) um pronunciamento do presidente Joe Biden a respeito da morte de Henry Kissinger, nome fundamental para a política externa americana nas últimas décadas, ocorrida na véspera. A demora em emitir uma nota, praxe nesses casos, gerou questionamentos.

"Ao longo de nossas carreiras, nós discordamos com frequência. E, com frequência, fortemente", afirmou o democrata em um breve texto. Biden também elogiou o "intelecto aguçado" de Kissinger e disse que seu "foco profundamente estratégico" era evidente.

Mais cedo, repórteres aproveitaram uma reunião bilateral do americano com o presidente de Angola, João Manuel Gonçalves Lourenço, que visitou a Casa Branca nesta quinta, para questionar sobre o silêncio. Biden, no entanto, ignorou-os, e respondeu apenas a uma pergunta sobre a possibilidade de visitar o país africano, dizendo que pretende voltar.

À esquerda, Henry Kissinger, ao lado do então senador Joe Biden, durante evento no Congresso americano em janeiro de 2007 - Jim Young/Reuters

Para comparação, na semana passada, a Casa Branca divulgou uma nota sobre a ex-primeira-dama Rosalynn Carter poucas horas após a notícia de sua morte.

Habituado a frequentar a Casa Branca mesmo quando já não ocupava nenhum cargo oficial, Kissinger demonstrou certo descontentamento em uma entrevista em julho do ano passado com o fato de ainda não ter sido recebido por Biden.

"Eu conheci o Biden quando ele era senador, mas não tive contato com ele desde que se tornou presidente", disse ao New York Post. "Eu não acho que seja exigido de um presidente pedir meu aconselhamento", ponderou.

Em seguida, porém, ele listou o que acreditava que o democrata deveria fazer: encontrar uma "definição comum das ameaças a nós e aos nossos propósitos". "Encerrar a Guerra da Ucrânia deveria ser uma grande tarefa", complementou, ressaltando que o cenário pós-conflito também deveria ser uma prioridade americana.

Ele ainda criticou a desastrosa retirada das tropas americanas do Afeganistão, por determinação de Biden. Para Kissinger, a decisão não fez sentido porque, em sua visão, não havia tanta pressão sobre o presidente na época, e o movimento acabou prejudicando a capacidade dos EUA de enfrentarem outros ataques no mundo.

Membros do governo foram perguntados mais cedo sobre a falta de reação da Casa Branca. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, por exemplo, não deu um motivo para a demora, e disse apenas que "não faria nenhuma interpretação disso".

Até a divulgação da declaração de Biden no final da tarde, o único comentário da Casa Branca viera de Kirby, mas não por iniciativa própria —um jornalista pediu que ele falasse sobre a morte do diplomata e seu peso na política externa da administração Biden.

"É uma grande perda. Ele foi um homem que, você concorde com ele ou não, compartilhe as mesmas visões que ele ou não, serviu na Segunda Guerra Mundial, serviu seu país corajosamente em uniforme e por décadas depois disso", afirmou, depois de expressar condolências à família.

"Todos nós podemos ser gratos por seu serviço público. Não há dúvida de que ele moldou decisões de política externa por décadas e teve um impacto no papel que a América desempenha no mundo", completou.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, não citou Kissinger durante a coletiva —que ocorre praticamente todos os dias e na qual o governo se manifesta sobre diversos temas.

Em contraste com a Casa Branca, o Departamento de Estado divulgou uma nota por volta das 12h (horário local, às 14h no horário de Brasília). Assinada pelo secretário Antony Blinken, o texto destaca várias reflexões sobre política externa feitas pelo antigo chefe da pasta.

"Como secretário de Estado e conselheiro de segurança nacional, Henry tomou diversas decisões que mudaram a história. Servir como o principal diplomata da América hoje é se mover em um mundo que carrega a digital de Henry —das relações que ele fomentou às ferramentas que ele desenvolveu e à arquitetura que ele construiu", afirma o texto.

Blinken ressalta ainda que, já no cargo, buscou conselhos de Kissinger para a formulação da política americana para inteligência artificial.

O ex-presidente americano George W. Bush também lamentou a morte do diplomata. O republicano afirmou que "a América perdeu uma das vozes mais confiáveis e distintas nas relações exteriores" e disse ser grato pelo serviço e conselho recebidos de Kissinger, mas ser "ainda mais grato por sua amizade".

"Há muito tempo admiro o homem que fugiu dos nazistas quando era um menino de uma família judia e depois lutou contra eles no Exército dos EUA. Quando mais tarde se tornou secretário de Estado, a sua nomeação como antigo refugiado disse tanto sobre a sua grandeza como sobre a grandeza da América", afirmou.

Outras reações nos EUA foram mais críticas. A revista Rolling Stone chamou atenção ao chamar o diplomata de "criminoso de guerra amado pela classe dominante americana" no título de seu obituário.

Deputados democratas também criticaram Kissinger. Gerry Connolly o acusou de ser responsável por "uma das piores violências dos últimos 50 anos no Chile, Camboja, Irã e Vietnã". "Sua indiferença ao sofrimento humano vai para sempre manchar seu nome e moldar seu legado".

"Eu nunca entendi por que as pessoas o reverenciavam. Eu nunca vou perdoar nem esquecer", afirmou o deputado Jim McGovern, copresidente da Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos da Câmara.

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