Desânimo de eleitorado negro com Biden preocupa democratas contra Trump

Afro-americanos foram fundamentais para vitória nas urnas em 2020; temor agora é de comparecimento menor na próxima eleição

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Washington

O eleitorado negro, fundamental para a vitória de Joe Biden em 2020, está bem menos entusiasmado com o democrata. A cerca de um ano das eleições, pesquisas alertam para um comparecimento menor às urnas, e até um encolhimento da vantagem do presidente sobre seu provável adversário, Donald Trump.

Afro-americanos são, historicamente, o grupo que mais apoia o Partido Democrata, e a falta desses votos pode fazer a diferença em uma disputa apertada.

Manifestação em agosto marca os 60 anos da marcha em Washington liderada por Martin Luther King Jr. - Jonathan Ernst/Reuters

Pesquisa realizada pela Siena College em parceria com o jornal The New York Times nos seis estados cruciais para o resultado do pleito mostra que, enquanto 58% dos eleitores brancos afirmam ser quase certo que irão votar na eleição presidencial do próximo ano, esse percentual cai para 44% entre negros.

O levantamento fortalece o alerta disparado pela eleição de meio de mandato, realizada no final do ano passado, que mostrou uma queda de dez pontos no comparecimento de eleitores negros às urnas em comparação com 2018, de acordo com análise do jornal The Washington Post –a maior queda observada em todos os grupos raciais.

Quando questionados sobre a intenção de voto, 22% dos eleitores negros afirmam que pretendem votar em Trump. O percentual é baixo, quando comparado aos 71% que pretendem votar em Biden, mas nunca foi tão alto para um republicano em mais de 50 anos. O valor também é muito maior do que os 8% de votos desse eleitorado recebidos pelo empresário em 2020 em todo o país.

Uma das hipóteses para a mudança é a desaprovação da gestão da economia pelo governo atual. Embora já tenha cedido bastante, a inflação disparou no mandato de Biden, e os preços ainda estão muito acima do que eram há quatro anos. Outro problema é o acesso à moradia, diante do encarecimento do crédito, o que afeta sobretudo minorias sociais.

Diferentemente do eleitorado branco, pessoas negras dão mais importância aos temas econômicos do que aos sociais, entendidos como aborto, democracia e controle de armas, de acordo com a pesquisa da Siena College. Situação semelhante acontece com o eleitorado hispânico.

A diferença nas prioridades é especialmente importante porque a defesa do direito ao aborto é uma das principais estratégias dos democratas para atrair eleitores para as urnas desde que a Suprema Corte mudou seu entendimento sobre o tema, deixando a cargo dos estados legislarem sobre a interrupção da gravidez.

Vincent Hutchings, professor de ciência política da Universidade de Michigan especializado em política afro-americana, acrescenta ainda uma terceira hipótese: a frustração com o governo Biden diante das altas expectativas que a população negra tinha com uma gestão democrata após os protestos massivos de 2020 que eclodiram com o assassinato de George Floyd.

"A desigualdade que afro-americanos sofrem em temas como mortalidade infantil e materna, homicídio, expectativa de vida, renda e acesso à propriedade é abismal. Nos últimos 60 anos em que o Partido Democrata obteve cerca de 90% do voto negro, essas coisas não mudaram. Para mim, a questão não é se os negros vão votar em 2024, mas por que eles sempre foram votar em um partido que não resolveu esses problemas?", questiona o professor.

Hutchings diz não acreditar em uma migração de eleitores negros para Trump ou qualquer outro candidato republicano, e faz a ressalva de que a pesquisa conduzida pela Siena College abrange estados com uma população negra pequena, como Nevada e Wisconsin, o que pode ter distorcido os números. Mas cogita a possibilidade de um comparecimento mais baixo às urnas no próximo ano, especialmente porque vê 2020 como um ano atípico de engajamento, em razão das manifestações antirracistas.

O desânimo pode ser agravado pelo apoio de Biden a Israel na guerra contra o Hamas. Uma pesquisa de opinião publicada na semana passada pela Universidade Quinnipiac mostra que 53% dos negros dizem desaprovar a reação israelense aos ataques pelo grupo terrorista, percentual que contrasta com a opinião da população branca –52% apoiam.

Quando questionados se simpatizam mais com israelenses ou palestinos, o percentual entre negros é de 30% e 34%, respectivamente.

"Há uma assimetria de poder entre os dois lados desse conflito, e isso reflete em alguma medida a experiência de afro-americanos nos EUA", analisa Hutchings. "Para os americanos negros, a questão é: qual desses grupos é mais como nós? Não são os israelenses."

Milhares protestam em apoio à Palestina e contra a aliança de Biden com Israel em Washington, em manifestação realizada em 4 de novembro - Getty Images via AFP

Ciente do problema, a campanha de Biden começou a reagir. Há dois meses, a equipe do democrata lançou uma campanha de US$ 25 milhões focada em suas conquistas econômicas, a chamada "Bidenomics", com propagandas na TV durante intervalos de jogos da NFL (liga de futebol americano) e de futebol, e no canal Oprah Winfrey, mirando o eleitorado hispânico e negro.

"Nós sabemos que precisamos começar a trabalhar e que precisamos nos comunicar com esses eleitores e que precisamos fazer isso mais cedo do que jamais foi feito antes", disse Quentin Fulks, vice-gerente de campanha de Biden, ao New York Times.

Outro fator que anima os democratas são decisões recentes da Justiça que barraram tentativas do Partido Republicano de redesenhar as fronteiras de distritos eleitorais para dar mais peso a eleitores conservadores, dividindo a população negra em áreas diferentes –prática conhecida como "gerrymandering".

No Alabama, a Suprema Corte obrigou o estado a alterar seu mapa eleitoral para acrescentar um novo distrito de maioria negra. Questionamentos semelhantes ocorrem em Nova York, Flórida, Geórgia e Louisiana. Caso o resultado seja favorável aos democratas, o principal impacto será no Congresso, com a perspectiva de conseguir eleger mais deputados do partido.

Reclamações sobre a manobra são levadas à Justiça frequentemente por grupos de ativistas da sociedade civil. Uma decisão de uma corte de apelação federal nesta segunda (20), porém, pode dificultar o uso desse instrumento, previsto na Lei do Direito ao Voto, de 1965.

Um juiz apontado por Trump em uma instância inferior decidiu, em um caso referente ao Arkansas, que apenas o advogado-geral dos EUA pode acionar a Justiça alegando discriminação racial em práticas eleitorais. Foi essa a sentença mantida pela corte de apelação nesta segunda. A expectativa agora é que o caso chegue à Suprema Corte.

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