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Malvinas são teste à parte para o discurso de Javier Milei

Desejo de tomar as ilhas Falkland, obsessão argentina, depende do cansaço de Londres

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São Paulo

O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, fala muito sobre tudo e compra todas as polêmicas que encontra em nome de seu discurso ultraliberal, anarcocapitalista ou qualquer outro rótulo que enfrentará a realidade na Casa Rosada.

Na política externa, sua presumida prioridade zero é modular a relação com os principais parceiros comerciais argentinos, China e Brasil —na sua visão declarada de mundo, membros de um clube comunista com quem não se deve conversar.

Casa Rosada iluminada com cores argentinas, mapa das Falklands e a mensagem 'Malvinas nos unem', em homenagem aos 40 anos da guerra contra os britânicos, em 2022
Casa Rosada iluminada com cores argentinas, mapa das Falklands e a mensagem 'Malvinas nos unem', em homenagem aos 40 anos da guerra contra os britânicos, em 2022 - Presidência da Argentina - 2.abr.2022/AFP

O senso comum sugere que ele vá ceder e dialogar, até porque precisa manter próxima a centro-direita que lhe promete um mínimo de governabilidade. Convém, contudo, esperar, em especial diante do leque de ideias radicais esposado pelo político.

Em um ponto no campo diplomático, contudo, Milei é idêntico a seus antecessores: considera que a Argentina tem de ter soberania sobre as ilhas Falkland, arquipélago de 3.600 pessoas conhecido na região como Malvinas.

A obsessão sobre o estéril arquipélago está no DNA da política do país vizinho, que disputou seu controle em duas ocasiões no século 19. Registradas por um britânico em 1690 e colonizadas pela primeira vez por franceses em 1764, as ilhas trocaram de mãos por dez vezes em sua história.

Na última, em junho de 1982, Londres, dona do pedaço desde 1833, retomou o controle perdido por dois meses para Buenos Aires, na Guerra das Malvinas, que selou o fim da brutal ditadura argentina com um fracasso militar até hoje não digerido.

Basta andar pela capital do país vizinho, onde o mapa das ilhas e a reivindicação de propriedade estão da carroceria de ônibus urbanos a cartazes nos banheiros de bares. Morreram no conflito 649 militares argentinos e 255 britânicos, além de 3 civis das ilhas.

Milei não foi tão longe no que diz respeito às Falklands, mas arriscou alto ao elogiar a primeira-ministra britânica que liderou a guerra de 1982, Margaret Thatcher (1925-2013), como uma das maiores líderes políticas da história. Escapou com arranhões.

Diferentemente do caso de Xi Jinping e de Luiz Inácio Lula da Silva, que têm motivos de sobra para suspeitar de Milei, o argentino temperou sua posição sobre as ilhas com uma sugestão de negociação que remonta ao processo de paz em curso por 16 anos antes da guerra de 1982.

Baseado na ONU no contexto do desmonte colonial britânico, o debate foi duro, mas a autonomia para os moradores e uma cessão de longo prazo do território para Buenos Aires estiveram na mesa.

O desespero dos generais que governavam a Argentina pôs tudo a perder, e para o Partido Conservador de Thatcher, que está no poder em Londres desde 2010, a vitória de 1982 segue sendo um ícone no altar dedicado à primeira-ministra.

Em 2013, o então premiê David Cameron, que agora voltou ao governo como chanceler de Rishi Sunak, envernizou o santuário com um plebiscito no qual 99,8% dos votantes na ilha decidiram optar por ficar com Londres.

Críticos apontam que o aparelho estatal britânico, que emprega mais de um quarto da população, torna qualquer opção inviável. Por outro lado, a relativa autossuficiência local, aliada à perene perspectiva de que sua reserva de 1 bilhão de barris de petróleo seja um dia explorável, torna o status quo mais palatável do que o caos econômico argentino.

Seja como for, Milei ofereceu termos de conversa. "Nós propomos uma solução parecida com o que a Inglaterra tinha com a China sobre a questão de Hong Kong, e que o contexto das pessoas que vivem na ilha não pode ser ignorado", afirmou ao jornal La Nación.

A ideia pode agradar àqueles que, em Londres, apontam para o gasto para manter a fortaleza militar em que as Falklands foram transformadas depois da guerra. Tal condição, aliada à penúria militar argentina, inviabiliza quaisquer sonhos de aventuras ao estilo 1982.

Todos os anos, são despejados o equivalente a R$ 365 milhões para manter a defesa local, equivalente a quase um terço do PIB das ilhas, que deixaram de ter a importância estratégica do passado.

Como seria previsível, contudo, Sunak já disse nesta terça (21) que a soberania britânica no território é inegociável. Londres já cedeu territórios como Hong Kong, afirmam os defensores de abrir mão do controle das Falklands. Contra o argumento, há um misto de orgulho nacional e as incertezas de um mundo em que a China amplifica seu poder naval.

Portanto, tudo sugere que um hoje improvável sucesso de Milei nesse tema à parte da diplomacia argentina depende mais do fastio dos britânicos, mas há uma porta entreaberta para tal.

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