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Meloni propõe eleições diretas para primeiro-ministro na Itália

Atacada por oposição e especialistas, reforma constitucional busca dar fim à alta rotatividade de premiês no país

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Milão (Itália)

O governo da ultradireitista Giorgia Meloni apresentou um projeto de lei para estabelecer na Itália eleições diretas para primeiro-ministro —cargo que ela mesma ocupa. A reforma, que envolveria mudanças na Constituição, prevê também regras para evitar a formação de governos técnicos, isto é, quando um novo premiê é nomeado pelo presidente da República sem a realização de um pleito.

O texto, que recebeu críticas da oposição e objeções de especialistas, precisa ser aprovado pelo Parlamento. Dependendo do resultado, pode ser tema de um referendo.

Meloni, que chamou a proposta de a "mãe de todas as reformas", afirma que seu objetivo é dar mais estabilidade ao país, acostumado à alta rotatividade de primeiros-ministros. Desde 1948, foram 68 governos, cada um com duração média de pouco mais de um ano. Na comparação entre as três maiores economias da União Europeia, nos últimos 20 anos a Itália teve nove premiês, enquanto a Alemanha soma três, e a França, quatro presidentes.

A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, em Roma
A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, em Roma - Tiziana Fabi - 6.nov.23/AFP

"Fizemos o que nos comprometemos a fazer, colocando a Itália diante da oportunidade histórica de uma revolução simples", afirmou Meloni após apresentar o texto da proposta, na última sexta-feira (3).

Composto por cinco itens, o projeto de lei modifica quatro artigos da Constituição. A principal novidade é a eleição direta para primeiro-ministro, com mandato de cinco anos. Hoje, cabe ao presidente da República, que é o chefe de Estado, nomear o premiê —o chefe de governo— após consultar os partidos e conferir se há condições para que se forme maioria no Parlamento em torno do indicado, que não precisa ter mandato legislativo.

A reforma propõe que os italianos, ao irem às urnas, votem não só em deputados e senadores, como ocorre hoje, mas também no nome do premiê. Depois de eleito, o chefe do Executivo deve se apresentar ao Parlamento para obter um voto de confiança, de forma a atestar o apoio da maioria.

Se por acaso o primeiro-ministro perder essa maioria durante o mandato, o presidente da República só pode nomear para o cargo um parlamentar da mesma coalizão no poder –o qual, supostamente, levaria adiante o programa de governo escolhido pelos eleitores. Se não der certo, novas eleições seriam convocadas.

É esse o mecanismo que evitaria a formação de governos apoiados em alianças políticas renegociadas durante a legislatura e de governos técnicos, como o que antecedeu a chegada de Meloni ao poder, após as eleições de 2022.

Antes dela, o economista Mario Draghi ocupou o cargo de premiê por 17 meses, nomeado pelo presidente Sergio Mattarella após um impasse político na coalizão no poder à época. O economista assumiu com a missão de acelerar a campanha de vacinação da Covid-19 e tocar o plano europeu de recuperação econômica.

Para Meloni, a reforma é um meio de acabar com "jogos palacianos", pondo fim "a todos aqueles governos que ao longo dos anos passaram por cima dos cidadãos para fazer coisas que os cidadãos não tinham decidido", nas palavras da líder.

Outra mudança prevê uma nova regra eleitoral que possa garantir 55% dos assentos no Parlamento à aliança política do primeiro-ministro como forma de "assegurar a governabilidade".

Tanto o Partido Democrático (PD) quanto o Movimento Cinco Estrelas, as principais legendas de oposição, manifestaram-se contra a ideia do "premierato", como o sistema vem sendo chamado. "É uma bagunça, uma tentativa de distrair a atenção da falta de propostas econômicas e sociais, mas não por isso menos perigosa", disse Elly Schlein, líder do PD.

Uma das principais críticas ao plano é que ele esvaziaria o papel do presidente. Com a mudança, o chefe de Estado, que é eleito pelo Legislativo e faz a interlocução entre as instituições, perderia duas das suas principais atribuições –a de nomear o premiê e a de dissolver o Parlamento.

"Isso é um dano grave ao papel do chefe de Estado. Ele deixaria de ser uma figura importante de coesão para se tornar um simples tabelião que, durante uma crise política, só poderia falar para [a população] ir às urnas votar", diz à Folha Francesco Clementi, professor de direito público da Universidade La Sapienza de Roma.

As novas regras, segundo o especialista, em vez da estabilidade desejada arriscam criar um sistema rígido demais, que resultaria sempre em eleições antecipadas. Afinal, o primeiro-ministro eleito poderia a princípio perder o voto de confiança e ser derrubado pela sua própria maioria parlamentar. Depois, caso seu substituto não obtivesse o voto de confiança, ele seria forçado a convocar novas eleições.

"É muito provável que haja uma forte instabilidade, com eleições a cada quatro ou cinco meses", diz Clementi, para quem o texto é confuso e "promete algo que não conseguirá manter." Ele acrescenta que o sistema de "premierato" não é adotado em nenhuma grande democracia ocidental.

Mudar a Constituição e a lei eleitoral são caminhos comumente percorridos por democracias que se tornaram iliberais. O professor não vê, no entanto, possibilidade de uma guinada autoritária por parte do governo de Meloni. "O verdadeiro risco é paralisar o país, que poderá ficar mais instável e frágil, com um chefe de Estado com menos poderes, um Parlamento que vale pouco e um primeiro-ministro que não vale nada, porque pode ser trocado por alguém da sua própria maioria, não eleito diretamente."

Clementi diz concordar, porém, com a necessidade de uma reforma que fortaleça a figura do primeiro-ministro italiano, com poderes para ao menos nomear os próprios ministros, algo que hoje precisa ser chancelado pelo presidente da República. "Existem vários instrumentos para tornar o premiê italiano tão forte quanto os da Alemanha, da Espanha ou do Reino Unido. Mas essa força não precisa incluir eleições diretas."

Para alterar a Constituição, a proposta precisa ser aprovada por dois terços dos parlamentares, tanto na Câmara quanto no Senado, um cenário considerado, hoje, difícil. Caso o texto tenha maioria simples em vez de qualificada, um referendo pode ser convocado para que os eleitores decidam por si próprios.

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