Rodeado de apoiadores atônitos, Javier Milei afirmou em seu primeiro discurso como presidente eleito que "hoje começa a reconstrução da Argentina". O ultraliberal exaltou a propriedade privada e fez um discurso de união, mas também disse que "há gente que vai resistir", em referência implícita a opositores e manifestantes kirchneristas.
"Quero dizer a todos os argentinos e a todos os dirigentes políticos que todos aqueles que quiserem se somar à nova Argentina serão bem-vindos. Não importa de onde venham, não importa o que disseram antes, que diferenças tenhamos. Tenho certeza de que é mais importante o que nos une do que o que nos separa", discursou ele em um salão do hotel Libertador, no centro de Buenos Aires.
"Sabemos que há quem vai resistir, que há quem quer manter esse sistema de privilégio para alguns e que empobrece a maioria dos argentinos. Dentro da lei, tudo, fora da lei, nada. Vamos ser implacáveis com aqueles que queiram usar a força para defender seus privilégios", disse, após ser apresentado como novo presidente por sua irmã e chefe de campanha Karina.
Além dela, de membros de sua equipe e dos fiscais que trabalharam nas urnas, ele agradeceu ao ex-presidente Mauricio Macri e à ex-rival Patricia Bullrich pelo apoio no segundo turno: "Desinteressadamente, se comprometeram a defender a mudança que a Argentina precisa", citou.
Milei mencionou mais de uma vez a pobreza, a indigência e a inflação em seu discurso e falou em mudanças "drásticas". "A situação da Argentina é crítica. Não há espaço para gradualismos nem para a hesitação, não há lugar para meias medidas", declarou, afirmando que foi uma "noite histórica. Não por nós, mas porque terminou uma forma de fazer política e começa outra".
Ele repetiu praticamente as mesmas falas do lado de fora do prédio, onde uma multidão de apoiadores, muitos deles jovens, aguardavam o resultado desde o final da tarde. Ali, ele subiu ao palco acompanhado de três mulheres —além da irmã, estavam sua vice eleita, Victoria Villarruel, e sua namorada, a comediante Fátima Flórez.
Neste domingo (19), Milei rompeu a polarização argentina, consolidou sua nova força política e foi eleito presidente do país. Em um pleito histórico, o outsider de direita superou o ministro da Economia Sergio Massa, impondo ao peronismo sua quarta derrota em 40 anos de democracia.
Após uma ascensão meteórica na política, o economista e deputado conseguiu mais de 11 pontos de diferença em relação ao rival. Registrou 55,7% dos votos válidos contra 44,3% de Massa, com quase todas as urnas apuradas —a participação foi de 76%, a segunda mais baixa nas últimas quatro décadas.
À medida que os boatos de vitória se espalhavam, a avenida do hotel foi enchendo, até que o clima virou de final de campeonato. Emocionados, os grupos se abraçavam, pulavam e cantavam, jogando as cédulas de papel com o rosto do candidato para cima. Um homem vestido de Zorro trepava num poste, e outro vestido de leão subia numa placa.
"A todos que estão nos olhando de fora do país, quero dizer que a Argentina vai voltar a ocupar o lugar no mundo que nunca devia ter perdido", discursou Milei do lado de dentro, sob aplausos. "Por isso, quero dizer que nosso compromisso é com a democracia, com o comércio livre e com a paz", completou.
No Brasil, o governo do presidente Lula (PT) viu na vitória de Milei uma derrota para a América do Sul, temendo pelo futuro do Mercosul, bloco do qual o ultraliberal já disse querer se separar. Auxiliares do presidente brasileiro compararam a disputa à eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018 e ressaltaram ser a pior derrota da história do peronismo.
Milei vai ocupar a Casa Rosada pelos próximos quatro anos a partir de 10 de dezembro, quando o país completa 40 anos ininterruptos de democracia. O peronista Alberto Fernández, atual chefe de Massa, se despede do cargo reprovado por oito em cada dez argentinos e levando a fama de presidente ausente.
As outras três vezes em que a força política perdeu foram em 1983, 1999 e 2015. Nem a máquina peronista foi suficiente para conter o resultado do pleito deste domingo. O descontentamento da população com a situação atual do país superou o medo do extremismo do rival, explorado pela campanha de Massa com a ajuda de um equipe de publicitários brasileiros ligados ao PT.
"Obviamente os resultados não são os que esperávamos", disse Massa ao reconhecer a derrota. "Entrei em contato com Javier Milei para parabenizá-lo. A partir de amanhã a responsabilidade de prover certeza pertence a Milei." O bunker em que estavam o ministro e seus apoiadores foi esvaziado em menos de 40 minutos após o anúncio da derrota.
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