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Marcos Lisboa e Idelber Avelar

Palestina e Israel: massacres, dor e história

Conflito já tem demasiadas vítimas; é preciso outro caminho

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Marcos Lisboa

Economista e colunista da Folha, é casado com Zeina Abdel Latif, filha de palestino, com imensa maioria da família na Cisjordânia

Idelber Avelar

Professor de literatura, é autor de ensaios sobre a Palestina publicados em Crônicas do estado de exceção (Azougue, 2015)

O ataque do Hamas contra civis israelenses e a reação de Israel bombardeando Gaza são os desdobramentos mais recentes de uma tragédia iniciada há mais de um século.

O recrudescimento do antissemitismo e as perseguições contra judeus, acirradas em toda a Europa no fim do século 19, foram preparando o terreno para o genocídio dos anos 1940.

A Palestina da época era habitada principalmente por árabes e havia sido dominada pelo Império Otomano durante quatro séculos. Havia discriminação, mas havia relativa paz entre os principais grupos. Muçulmanos, judeus e cristãos conviviam havia séculos, compartilhando cidades.

Construção em Rafah, no sul de Gaza, é bombardeada em ataque israelense nesta segunda (6) - Said Khatib/AFP

A vitória árabe sobre os bizantinos, no século 7, foi saudada por cristãos, judeus e samaritanos da região. Árabes e judeus lutaram juntos contra as cruzadas cristãs nos séculos 12 e 13.

A soberania otomana (1517-1918) não alterou significativamente o regime fundiário na Palestina histórica, caracterizado por uma relação fluida com a terra que preservava considerável autonomia das aldeias e a coabitação de diferentes religiões.

Yusuf ibn Ayyub, conhecido como Saladino, líder da resistência árabe no século 12, guerreou, ganhou e perdeu batalhas, e negociou acordos para o reestabelecimento da autonomia da região, sendo misericordioso com os derrotados.

Em 1993, acusado de estar celebrando com os israelenses, em Oslo, um tratado que concedia pouco aos palestinos e o instalava na posição de cão de guarda de Israel, o líder Yasser Arafat insistia que ele não celebraria qualquer paz, mas "a paz de Saladino".

A referência era quase ilegível para os ocidentais, mas os palestinos entendiam bem a amarga ironia da situação de Arafat, bem mais precária que a de Saladino.

A perseguição aos judeus acelerou a migração para a Palestina, que introduziu um regime de propriedade de terras alheio à região. Mesmo assim, passaram-se mais de três décadas de imigração sionista até que se vissem os primeiros registros de preocupação das lideranças palestinas, que só ocorreram na década de 1910.

Durante a Primeira Guerra Mundial, os britânicos fizeram sua promessa ao movimento sionista, a declaração de Balfour, na que afirmavam que o governo de Sua Majestade "vê favoravelmente" o estabelecimento de "um lar nacional" para o povo judeu na Palestina, "ficando claramente entendido que nada será feito" para prejudicar os direitos dos povos não judeus lá existentes.

Simultaneamente, a Grã-Bretanha prometeu aos árabes, em troca do apoio na guerra contra os otomanos, o estabelecimento de um Estado árabe soberano nos territórios em que se falava a língua. Os árabes cumpriram sua palavra. Os britânicos, presos entre duas promessas contraditórias, não.

Após a vitória na guerra, os ingleses, que contaram com o apoio dos árabes, esqueceram o acordo com a população local.

Em 1920, os árabes representavam 80% da população da Palestina, com perto de 10% cristã. Pelo censo de 1931, com a intensa migração na década anterior, os judeus passaram a ser 16,9% dos habitantes da região.

O desastre que resultou na Segunda Guerra Mundial e no genocídio de judeus, em grande parte rejeitados pelos países da Europa, EUA e outros, como o Brasil, insuflou a imigração para a Palestina.

Os territórios ocupados por judeus europeus, contudo, não estavam vazios. Famílias de palestinos moravam lá. Foram expulsas no processo. Muitas, exterminadas.

A história das populações palestinas expulsas de seus vilarejos por meio de explosivos derrubados do alto de elevações, ou atacadas por grupos paramilitares como o Haganah e o Irgun, precursores do Exército de Israel, é pouco conhecida e deve ser contada.

O historiador israelense Ilan Pappé documentou o processo de expulsão de centenas de milhares de palestinos de suas casas, que ocorreu na segunda metade da década de 1940.

Segundo o plano de partilha das Nações Unidas apresentado em novembro de 1947, 818 mil palestinos hospedariam 10 mil judeus no Estado árabe. No Estado judeu, 438 mil palestinos viveriam sob soberania sionista entre 499 mil judeus.

A realidade internacional que emerge com a vitória israelense na guerra de 1948 foi rompida a partir de 1967, quando Israel venceu outra guerra e passou a ocupar militarmente territórios que não são legalmente seus, segundo a própria partilha que lhe deu origem.

Esse ano inaugura uma realidade em que os palestinos vivem em "territórios ocupados", uma realidade dramática que muitos na Europa e nas Américas não parecem compreender.

A ida para muitos trabalhos precisa de autorização, tornando-os por vezes inviáveis, assim como a circulação de ambulâncias para atender aos necessitados.

O documentário israelense "The Gatekeepers", de Dror Moreh, serve como introdução à devastação. São entrevistados ex-oficiais do Shin Bet, o serviço de segurança de Israel (semelhante à CIA). Sabemos o nome dos seus líderes, mas não os dos demais membros.

O documentário não celebra os vitoriosos. O tom dos depoimentos é de lamentação, culpada e sofrida, de quem, por fim, ganhou a guerra e semeou opressão.

As cenas de ocupação da Palestina observadas do ponto de vista de quem lá tem amigos e familiares são dolorosas: os ocupados, sentados sob a mira de armas de soldados, cercados em suas moradias, estão muitas vezes separados de seus filhos ou avós. Têm a sua vida picotada por checkpoints e vivem cercados de uma crescente população de colonos armados e acompanhados pelo Exército de ocupação.

Após a vitória de 1973, a primeira-ministra de Israel, Golda Meir, do partido Trabalhista, de esquerda, estava mais consumida por problemas locais do que atenta a resolver os dilemas da ocupação e do povo cerceado. As tentativas de acordo entre os líderes do Shin Bet e os palestinos foram ignoradas.

São 56 anos de territórios ocupados, com estradas segregadas, restrições à mobilidade e à vida, com cidades sitiadas, muros e arames farpados.

Devastadoramente, Israel e seus aliados, nas últimas décadas, optaram pela saída dos vencedores adotada após a Primeira Guerra Mundial: ocupar o território, oprimir os derrotados, por vezes expulsando-os das suas terras, sem possibilidade de retorno.

Outro caminho poderia ser seguido. Após a Segunda Guerra Mundial, os aliados, vencedores, acolheram Alemanha e Itália, semeando a paz. Não foi fácil superar a dor e o ressentimento, mas em poucos anos havia o começo da União Europeia e dos benefícios da vida em comunhão.

Para que isso possa se realizar, é essencial que Israel cesse as agressões à população civil palestina e tome medidas para pôr fim à ocupação. Os reféns, prisioneiros do Hamas, devem ser libertados. Existem demasiadas vítimas em Gaza, em Israel e na Cisjordânia.

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