América do Sul pode desinflar tensão entre Venezuela e Guiana, diz Itamaraty

Governo brasileiro acompanha crise com preocupação, mas minimiza chances de avanço para conflito armado

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Rodrigo Viga Gaier
Rio de Janeiro | Reuters

A América do Sul tem condições para desinflar as tensões entre Venezuela e Guiana de forma a evitar um confronto depois que um plebiscito organizado pelo regime de Nicolás Maduro aprovou a anexação de boa parte do território vizinho, disse nesta segunda-feira (4) à agência de notícias Reuters a secretaria para América Latina e Caribe do Itamaraty, a embaixadora Gisela Padovan.

Segundo ela, o governo brasileiro acompanha com preocupação a crise entre os vizinhos, mas não acredita que a situação irá avançar para um confronto armado uma vez que diversas negociações estão sendo feitas por líderes da região —incluindo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva— com os presidentes de Venezuela e Guiana.

"Acompanhamos a situação com preocupação, mas eu não creio que vamos chegar a isso [conflito armado]. Acho que a gente tem capacidade na região para desinflar esse processo", disse a embaixadora à Reuters ao ser questionada se a crise entre os dois países poderia culminar em um confronto militar.

O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, discursa a apoiadores após plebiscito
O ditador venezuelano, Nicolás Maduro, discursa a apoiadores após plebiscito - Pedro Rances Mattey - 3.dez.23/AFP

"A gente defende uma solução pacífica para essa questão, e o que a gente não quer é o que o presidente Lula chamou de confusão, e eu chamo de conflito. Acho que seria totalmente indesejável um conflito em um momento que a gente está retomando a integração da América do Sul, retomando reunião dos 12 países sobre diversos temas, inclusive defesa", acrescentou.

A embaixadora lembrou que a região de Essequibo é dominada por uma floresta densa e de difícil acesso, o que dificultaria qualquer ação militar. A principal ligação terrestre entre Venezuela e Guiana é uma estrada que corta o território brasileiro na região de Pacaraima (RR).

"As condições do terreno não são fáceis, é só olhar o mapa. Não é chegar [e entrar]. A única estrada que liga [Venezuela e Guiana] passa pelo Brasil, que é Pacaraima", disse Padovan em entrevista após participar de evento do Mercosul Social.

Em plebiscito realizado no domingo, os eleitores da Venezuela rejeitaram a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ) sobre a disputa territorial do país com a Guiana e apoiaram a criação de um novo Estado venezuelano na região de Essequibo, potencialmente rica em petróleo.

A corte proibiu na sexta-feira (1º) a Venezuela de tomar qualquer medida que altere o status quo na área, que é objeto de um processo ativo perante a CIJ, mas o regime de Nicolás Maduro prosseguiu com um "referendo consultivo" de cinco questões.

No mês passado, o ex-chanceler e atual assessor presidencial Celso Amorim foi a Caracas, a pedido de Lula, depois de uma avaliação brasileira de que a campanha venezuelana sobre a anexação do Essequibo teria subido demais o tom, disse à Reuters uma autoridade que acompanha as conversas.

O governo brasileiro não pediu que o plebiscito venezuelano fosse cancelado, mas solicitou a Maduro que diminuísse o tom da campanha e buscasse uma solução pacífica. Lula também recebeu um telefonema do presidente da Guiana, Irfaan Ali.

Na semana passada, o Ministério da Defesa brasileiro informou que intensificou ações ao longo da fronteira norte do país enquanto monitora uma disputa territorial entre os vizinhos.

"Entendo que houve o acionamento de um batalhão que já existia, ou regimento, e é natural que em momento de declarações inflamadas você se preocupe", disse a embaixadora sobre o reforço militar na área.

Confira abaixo as perguntas e o resultado divulgado pelo CNE

  1. Você está de acordo em rechaçar por todos os meios, conforme o direito, a linha imposta fraudulentamente pelo laudo arbitral de Paris de 1899, que pretende nos despojar da Guiana Essequibo?

    Sim: 97.83% — Não: 2,17%

  2. Você apoia o Acordo de Genebra de 1966 como único instrumento jurídico válido para alcançar uma solução prática e satisfatória para a Venezuela e a Guiana em torno da controvérsia sobre o território da Guiana Essequibo?

    Sim: 98.11% — Não: 1.8%

  3. Você está de acordo com a posição histórica da Venezuela de não reconhecer a jurisdição da Corte Internacional de Justiça para resolver a controvérsia territorial sobre a Guiana Essequibo?

    Sim: 95,4% — Não: 4,1%

  4. Você está de acordo em se opor por todos os meios, conforme o direito, à pretensão da Guiana de dispor unilateralmente de um mar pendente de delimitação, de maneira ilegal e em violação do direito internacional?

    Sim: 95,94% — Não: 4,06%

  5. Você está de acordo com a criação do estado Guiana Essequibo e que se desenvolva um plano acelerado para o atendimento integral da população atual e futura desse território que inclua, entre outros, a concessão de cidadania e cédula de identidade venezuelana, conforme o Acordo de Genebra e o direito internacional, incorporando em consequência o dito estado no mapa do território venezuelano? Sim: 95,93% Não: 4,07%

    Sim: 95,93% — Não: 4,07%

A aprovação da anexação no plebiscito venezuelano não foi uma surpresa, destacou a embaixadora. "Essa é uma causa que une governo e oposição, talvez a única", disse. "O referendo é uma iniciativa interna e qualquer país pode organizar, mas o que a Corte Internacional de Justiça proíbe é a alteração na situação de fato, e isso não aconteceu", afirmou.

A área em disputa é rica em recursos minerais e representa 159 mil dos 215 mil quilômetros quadrados da Guiana. O território está em disputa desde o século 19, quando os britânicos, então colonizadores da Guiana, ocuparam uma área para além do rio Essequibo, onde havia sido descoberto ouro.

Uma primeira arbitragem, em que os Estados Unidos teriam apoiado o pleito da Venezuela, foi feita em 1897, em Paris, e um acordo dos americanos com os britânicos deu o território a Guiana. Em 1962, ainda insatisfeita com o resultado, Caracas denunciou o caso na Organização das Nações Unidas (ONU). Em 1966, um tratado assinado em Genebra reconheceu a reivindicação da Venezuela.

Ao longo dos últimos 57 anos várias mediações foram tentadas, sem sucesso, até que a ONU definiu a Corte Internacional de Justiça como foro para solução, o que a Venezuela discorda.

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