Putin sinaliza discretamente que está aberto a cessar-fogo na Ucrânia, diz jornal

Kremlin manifesta interesse em chegar a acordo para pôr fim à guerra, desde que ainda possa declarar vitória

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Julian E. Barnes Adam Entous Anton Troianovski
The New York Times

A confiança de Vladimir Putin parece não ter limites. Impulsionado pela contraofensiva fracassada da Ucrânia e pelo enfraquecimento do apoio ocidental a seu governo, o presidente da Rússia afirma que os objetivos de guerra russos não mudaram.

Ao se dirigir aos seus generais na terça-feira (19), ele se vangloriou de que a Ucrânia estava tão sitiada que as tropas invasoras da Rússia estavam fazendo "o que queriam". "Não vamos desistir do que é nosso", prometeu ele, acrescentando com desdém: "Se eles querem negociar, que negociem".

Putin (direita) e o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu, em exposição de artefatos militares em Moscou - Mikhail Klimentyev - 19.dez.23/ Pool via AFP

Mas, em uma recente tentativa de diplomacia nos bastidores, Putin tem enviado uma mensagem diferente: ele está pronto para fazer um acordo.

Putin tem sinalizado por meio de intermediários, desde setembro, que está aberto a um cessar-fogo que congele o combate na situação atual, muito aquém de suas ambições de dominar a Ucrânia, afirmam dois ex-funcionários do alto escalão russo próximos ao Kremlin e autoridades dos EUA e internacionais que receberam a mensagem dos enviados do líder russo.

Na verdade, Putin também sondou um acordo de cessar-fogo um ano antes, ainda em 2022, segundo autoridades dos EUA. Essa abordagem discreta, não relatada anteriormente, ocorreu depois que a Ucrânia derrotou o Exército da Rússia no nordeste do país. O presidente russo indicou que estava satisfeito com o território capturado pela Rússia e pronto para um armistício, disseram eles.

O interesse repetido de Putin em um cessar-fogo é um exemplo de como o oportunismo e a improvisação têm definido sua abordagem à guerra a portas fechadas. Dezenas de entrevistas com russos que o conhecem há muito tempo e com autoridades internacionais com conhecimento sobre o funcionamento interno do Kremlin mostram um líder manobrando para reduzir riscos e manter suas opções abertas em uma guerra que durou mais do que ele esperava.

Não há evidências de que os líderes da Ucrânia, que prometeram retomar todo o seu território, aceitarão tal acordo. Algumas autoridades dos EUA dizem que isso pode ser uma tentativa do Kremlin de desviar a atenção e não reflete uma disposição genuína de Putin para fazer concessões.

Nos últimos 16 meses, Putin engoliu várias humilhações —recuos embaraçosos, motins de um líder mercenário antes amigável— até chegar ao seu atual estado de tranquila confiança. Enquanto está obcecado pelo desempenho de seu Exército no campo de batalha e pelo que ele vê como sua missão histórica de retomar as "terras russas originais", Putin tem se esforçado para que a maioria dos russos continue com a vida normal.

As autoridades falaram sob condição de anonimato, como outros entrevistados desta reportagem, devido à natureza sensível das abordagens nos bastidores.

Respondendo a perguntas por escrito após recusar um pedido de entrevista, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, afirmou em uma mensagem de voz que "conceitualmente, essas teses que você apresentou estão incorretas". Questionado se a Rússia estava pronta para um cessar-fogo, ele apontou os comentários recentes do presidente; Putin disse neste mês que os objetivos de guerra da Rússia não haviam mudado.

A Ucrânia tem buscado apoio para sua própria fórmula de paz, que exige que Moscou entregue todo o território ucraniano capturado e pague indenizações. O presidente Volodimir Zelenski disse na terça-feira (18) que não via nenhum sinal de que a Rússia quisesse negociar. "Vemos apenas uma vontade descarada de matar", afirmou.

Putin cogitou pela primeira vez a possibilidade de negociações de paz nas semanas iniciais da guerra, mas elas fracassaram depois que as atrocidades da Rússia na Ucrânia vieram à tona. Em seguida, após a retirada embaraçosa da Rússia do nordeste da Ucrânia, o Kremlin enviou novamente mensagens para Kiev e o Ocidente de que estaria aberto a um acordo para congelar os combates, segundo autoridades dos EUA.

Prédio em Moscou supostamente atacado por drones ucranianos - Stringer via Reuters - 30.ju.23

Quando o líder mercenário Ievguêni Prigojin lançou sua rebelião fracassada, os eventos se voltavam a favor de Putin. A morte de Prigojin em um acidente de avião, amplamente vista como obra do Kremlin, eliminou seu inimigo doméstico mais perigoso. No campo de batalha, a Rússia já parecia ter sucesso em repelir a contraofensiva da Ucrânia.

Os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro —e a feroz resposta militar de Israel— provaram ser uma vantagem de marketing para a Rússia, ao desviar a atenção da Ucrânia e permitir que Putin se alinhasse com grande parte do mundo ao condenar o bombardeio da Faixa de Gaza e o apoio americano a Israel.

Muitos no Ocidente são céticos em relação a um cessar-fogo porque afirmam que Putin se rearmaria para um futuro ataque. O presidente Edgars Rinkevics, da Letônia, argumentou em uma entrevista que Putin estava comprometido com a guerra porque sonha em "restabelecer o império".

"Eles nunca honraram nenhum acordo", disse Rinkevics sobre os russos, "e os violaram imediatamente quando viram que era conveniente".

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