Mulheres lutam na linha de frente do Exército de Israel pela primeira vez

Depois de longo caminho para aceitação, as combatentes são incorporadas no conflito contra Hamas na Faixa de Gaza

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Isabel Kershner
The New York Times

Quando a capitã Amit Busi tem a chance de dormir, ela o faz com as botas calçadas —e em uma tenda compartilhada em um posto militar improvisado de Israel no norte da Faixa de Gaza.

Lá, ela comanda uma companhia de 83 soldados, quase metade deles homens. É uma das várias unidades mistas de gênero que lutam em Gaza, onde soldados e oficiais femininas estão servindo na linha de frente pela primeira vez desde a guerra que marcou o estabelecimento de Israel em 1948.

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A capitã Amit Busi, ao centro, que comanda unidade militar mista - Avishag Shaar-Yashuv - 25.dez.2023/The New York Times

Busi é responsável não apenas pela vida de seus subordinados —engenheiros de busca e resgate cujo treinamento e ferramentas especializadas ajudam as tropas de infantaria a entrar em edifícios danificados e em risco de colapso—, mas também pelos soldados feridos que eles retiram do campo de batalha.

Ela e seus soldados também ajudam a vasculhar a área em busca de combatentes palestinos, armas e lançadores de foguetes. Também são responsáveis pela guarda do acampamento.

Pode ser fácil esquecer que Busi tem apenas 23 anos, dada a admiração que claramente conquistou de seus subordinados, entre eles judeus, drusos e homens muçulmanos beduínos. O Exército, disse ela, "precisa de nós, então estamos aqui".

As mulheres estão lutando desde que as forças terrestres israelenses entraram em Gaza no final de outubro. A inclusão ajudou a fortalecer a imagem do Exército internamente após os fracassos de inteligência e militares de 7 de outubro, e em meio ao escrutínio global do alto número de mortes civis da campanha. Mais de 24 mil palestinos, muitos deles mulheres e crianças, foram mortos desde o início da guerra, segundo autoridades de saúde de Gaza.

A integração das mulheres nas unidades de combate do Exército tem sido objeto de um longo debate em Israel, lar de um dos poucos Exércitos do mundo que recruta mulheres aos 18 anos para o serviço obrigatório. Por anos, a questão das mulheres servindo na linha de frente opôs rabinos ultraconservadores e soldados religiosos a feministas, secularistas e críticos da cultura tradicionalmente machista do país.

Agora, esse debate está encerrado.

Não há mais sentido em continuar tais argumentos, disse o tenente-general Herzi Halevi, chefe do Estado-Maior do Exército, depois que as soldados femininas correram para enfrentar terroristas do Hamas em 7 de outubro, porque a "ação e luta falam mais alto do que as palavras".

Como outros fundamentos da vida israelense, muitos dos preconceitos sobre mulheres em combate foram derrubados em 7 de outubro, quando centenas de homens armados liderados pelo Hamas avançaram pela fronteira de Gaza para o sul de Israel.

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Oficial das Forças Armadas de Israel lava seu rosto em posto militar improvisado no norte da Faixa de Gaza - Avishag Shaar-Yashuv - 25.dez.2033/The New York Times

Nos meses seguintes, as necessidades do Exército impulsionaram mudanças sociais em ritmo acelerado. Parceiros do mesmo sexo de soldados mortos agora são reconhecidos legalmente como viúvas e viúvos, e pelo menos um soldado transgênero lutou na linha de frente em Gaza.

Apesar de anos de zombaria de setores conservadores da sociedade israelense, as soldados femininas se tornaram símbolos de progresso e igualdade, aparecendo em capas de revistas e sendo destaque notícias na televisão.

Uma pesquisa recente do Instituto de Democracia de Israel apontou que, entre o público secular, cerca de 70% das mulheres e 67% dos homens indicaram apoio ao aumento do número de mulheres em funções de combate.

Nos últimos anos, as mulheres representaram cerca de 18% da força de combate do Exército. "Todos estão usando a frase 'o debate acabou'", disse Idit Shafran Gittleman, diretora do programa militar e sociedade no Instituto de Estudos de Segurança Nacional da Universidade de Tel Aviv. "As mulheres contribuem para a segurança, elas não diminuem a segurança."

As mulheres israelenses foram lançadas ao combate quase imediatamente em 7 de outubro. Duas tripulações de tanques totalmente femininas, antes alvo de piadas sexistas, atravessaram o deserto naquela manhã para ajudar a repelir ondas de infiltrados armados de Gaza.

A comandante feminina do Caracal, um batalhão de infantaria de gênero misto, liderou uma batalha de 12 horas ao longo da fronteira de Gaza com duas tropas equipadas com foguetes e metralhadoras. Juntamente com os tanques, eles ajudaram a bloquear o avanço do Hamas, salvando várias comunidades de ataques. "Nós os paramos, eles não nos ultrapassaram", disse a comandante, tenente-coronel Or Ben Yehuda, 34, oficial de carreira e mãe de três filhos.

Décadas de petições e decisões do Supremo Tribunal desafiaram o alto comando militar a equilibrar as necessidades operacionais com os princípios de igualdade de direitos e oportunidades.

O Exército gradualmente abriu 90% de seus cargos para mulheres, mas elas ainda são excluídas de papéis de combate na linha de frente nas principais unidades de infantaria e em algumas das unidades de comando mais elitizadas que tradicionalmente operam em território inimigo durante a guerra.

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Soldados israelenses de tropa mista em operação no norte da Faixa de Gaza - Avishag Shaar-Yashuv - 25.dez.2023/The New York Times

Embora algumas mulheres sirvam em unidades mistas, as tripulações de tanques permanecem segregadas por sexo. Essa política foi criada para levar em conta as sensibilidades religiosas sobre homens e mulheres ficarem juntos por dias em um tanque.

No entanto, as mulheres na linha de frente dizem que as atitudes estão mudando. A capitã Pnina Shechtman, comandante de pelotão em um batalhão misto, Bardelas, implantado ao longo da fronteira sul de Israel com a Jordânia, afirmou ter comandado soldados religiosos e que tudo é uma questão de respeito mútuo. "Ao fim e ao cabo, temos a mesma missão."

Após o pôr do sol em um dia de semana, um repórter e um fotógrafo do jornal The New York Times entraram no norte de Gaza com Busi e seus camaradas. Os prédios ao longo da rota paralela à costa do Mediterrâneo foram reduzidos a camadas de concreto. Não vimos pessoas, apenas alguns cachorros, até chegarmos a um pequeno posto militar mal iluminado, composto por tendas e contêineres cercados por montes de areia.

Alguns dos soldados masculinos que circulavam por ali disseram que dormiam bem sabendo que Busi e suas tropas estavam guardando o acampamento. Um deles contou que se sentia ainda mais seguro com as mulheres porque elas tinham que provar a si mesmas —não porque eram mulheres, mas porque era a primeira vez delas em Gaza.

A guerra já tirou a vida de cerca de 200 soldados israelenses e milhares de palestinos, a maioria civis. Busi disse que o Exército "faz de tudo" para evitar baixas civis e lamentou a destruição de tantas casas. Mas foi o Hamas, segundo ela, que transformou Gaza em uma zona de guerra.

Busi afirmou que ficaria em Gaza enquanto fosse necessário. "Eu realmente espero que o fato de estarmos aqui", disse ela, "signifique que daqui a 20 anos, meus filhos não precisarão estar."

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