Descrição de chapéu Eleições EUA

Biden usa primária na Carolina do Sul como laboratório para voto negro

Democratas iniciam oficialmente escolha por candidato à Presidência pelo partido no estado neste sábado (3)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Washington

Com sua vitória nas primárias praticamente certa, a campanha de Joe Biden trata a votação na Carolina do Sul deste sábado (3) como um laboratório para o pleito geral, em novembro.

O eleitorado negro do estado foi responsável por ressuscitar a candidatura do presidente na disputa pela nomeação democrata em 2020, após duas derrotas consecutivas. Passados quatro anos, Biden busca novamente o impulso do segmento em sua difícil batalha pela reeleição —a ponto de ter alterado o calendário das primárias para isso, passando a Carolina do Sul à frente dos tradicionais Iowa e New Hampshire.

Joe Biden cumprimenta eleitores negros em uma barbearia em Columbia, na Carolina do Sul, em 27 de janeiro - Tom Brenner/Reuters

"Esta é a primeira vez que eleitores negros votarão primeiro em quem escolhem para presidente", disse a diretora do Partido Democrata na Carolina do Sul, Christale Spain, ao jornal The New York Times. "Nosso objetivo é levar às urnas o maior número possível de eleitores negros."

Assim, mais importante do que o resultado, o que importa neste sábado é a participação desse grupo demográfico, que corresponde a um quarto da população do estado segundo dados do censo americano.

Para isso, a campanha democrata dobrou a aposta no apelo explícito a ele. No último final de semana, Biden visitou uma barbearia e duas igrejas da comunidade negra. A vice-presidente, Kamala Harris, também participou de eventos no estado, assim como outros democratas da cúpula do partido, como o governador da Califórnia, Gavin Newsom.

"Vou ficar surpreso se a participação estiver no mesmo nível que a de 2020 ou for maior. Seria uma excelente notícia para Biden", afirma à Folha o cientista político Todd Shaw, professor da Universidade da Carolina do Sul e ex-presidente da Conferência Nacional de Cientistas Políticos Negros.

O motivo pelo qual o engajamento não deve ser tão alto é que, diferentemente de 2020, as primárias democratas neste ano não são competitivas —os demais candidatos, Dean Phillips e Marianne Williamson, têm chances quase nulas e mal fizeram campanha no estado.

Por isso, segundo Shaw, o verdadeiro parâmetro é o quão mais baixa a participação nas urnas será neste sábado. Um grau muito inferior do que a do pleito anterior reforçaria um temor que paira sobre os democratas: a perda de apoio entre o eleitorado negro, segmento que foi fundamental para derrotar Donald Trump quatro anos atrás.

"Qualquer descolamento da base de Biden pode afetá-lo porque a eleição vai ser muito acirrada", resume o pesquisador.

Embora haja pouca esperança de que o presidente vença em novembro na Carolina do Sul —a última vez em que o estado elegeu um presidente democrata foi em 1976—, o engajamento da população negra é um termômetro para o seu desempenho em estados de fato disputados, como Geórgia (onde 33% da população é negra), Carolina do Norte (22%) e Michigan (14%).

Se o resultado deste sábado for ruim, "é melhor para eles receberem essa notícia agora do que na Super Terça", completa Shaw, em referência ao dia em que 15 estados e um território realizam suas primárias, em 5 de março.

O alarme na campanha democrata foi disparado por pesquisas de opinião que mostram um aumento da rejeição a Biden entre a população negra. Em julho de 2022, por exemplo, 57% dos entrevistados com esse perfil faziam uma boa avaliação do presidente e 42%, uma ruim. Já em janeiro deste ano, a visão positiva havia caído para 48%, ligeiramente abaixo da negativa, então em 49%, segundo dados do instituto americano de pesquisas Pew Research Center.

A preocupação não é com a migração desse eleitorado para Trump, mas sim com a possibilidade de sua abstenção nas eleições gerais. Pesquisa realizada pela Siena College em parceria com o New York Times nos seis estados cruciais para o resultado do pleito mostrou que, enquanto 58% dos eleitores brancos afirmam ser quase certo que votarão no pleito presidencial, esse percentual cai para 44% entre os eleitores negros.

O desânimo se deve em grande medida à frustração das expectativas acerca de uma Presidência democrata que dominaram a eleição de 2020, a primeira após os protestos massivos contra a violência policial que eclodiram após o assassinato de George Floyd.

Shaw elenca uma série de mudanças esperadas por esse eleitorado que não se concretizaram, como as reformas da polícia, da Justiça criminal e do direito ao voto. A isso, soma-se a disparada da inflação, especialmente de alimentos e de imóveis. Biden também não entregou o perdão da dívida estudantil, medida que acabou barrada pela Suprema Corte.

No final do ano passado, um novo fator entrou na conta: o apoio do democrata a Israel no conflito do Estado judeu com o Hamas na Faixa de Gaza. De modo inverso ao que acontece entre a população branca, a maior parte dos negros diz simpatizar mais com palestinos do que com israelenses (34% ante 28%, segundo pesquisa da Siena College de dezembro).

Preocupa ainda a campanha do presidente a possibilidade de democratas deixarem de votar nas primárias da sigla neste sábado para apoiarem, no final do mês, Nikki Haley, ex-governadora da Carolina do Sul, na corrida republicana contra Trump.

No estado, as primárias são abertas, ou seja, membros do Partido Democrata podem participar da votação republicana e vice-versa. Ao mesmo tempo, só é possível votar no evento de uma das legendas. Por isso, quem participar neste sábado não poderá comparecer ao pleito republicano, marcado para o dia 24.

No campo conservador, uma campanha sobre cigarro mentolado também tenta reduzir o apoio do eleitorado negro a Biden. O banimento do produto, consumido principalmente por essa parcela da população, foi recomendado pela FDA, agência federal americana que funciona como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) brasileira.

A Liberty Policy Foundation, um grupo militante conservador, escolheu a Carolina do Sul para testar o impacto da mensagem. Anúncios também estão sendo veiculados em outros estados, como Carolina do Norte, Virgínia, Nevada e Michigan.

"Não acho que isso seja particularmente efetivo", diz Shaw. "Se houvesse propostas alternativas para reformas da Justiça criminal, acesso à saúde e oportunidades de trabalho e emprego, aí sim se chamaria a atenção."


Veja o calendário das primárias democratas

New Hampshire realizou uma primária extraoficial, à revelia do partido, em janeiro. Os delegados não foram contabilizados.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.