Bukele canta vitória após boca de urna apontar que ele obteve 87% dos votos

Líder salvadorenho comemora triunfo com fogos de artifício e comício na capital mesmo sem resultados oficiais

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San Salvador

Antes mesmo de as urnas serem fechadas neste domingo (4), El Salvador já contava com a reeleição de Nayib Bukele, 42, presidente licenciado do país.

Depois, pesquisas de boca de urna da CIP Gallup atribuíram a ele 87% das intenções de voto, e ele mesmo declarou a própria vitória, dizendo nas redes sociais que havia ganhado com mais de 85% dos votos.

Apoiadores do presidente licenciado de El Salvador Nayib Bukele festejam diante do Palácio Nacional na capital depois de ele declarar a própria vitória nas eleições presidenciais - Jose Cabezas/Reuters

Logo após o anúncio, fogos de artifício estouraram nos céus de San Salvador, e o líder chamou seus apoiadores para se reunir em frente ao Palácio Nacional. Quando Bukele anunciou a vitória, horas depois do fechamento das urnas, havia apenas resultados de centros de votação isolados, sem progresso algum nos cômputos totais.

Nesta segunda-feira (5), com 70,25% das urnas apuradas, segundo o site do TSE (Tribunal Supremo Eleitoral), Bukele tinha 83% dos votos. A corte emitiu uma nota durante a madrugada mencionando "múltiplas ações que dificultaram o desenvolvimento das atividades de transmissão dos resultados preliminares".

A China parabenizou Bukele pelo triunfo antes mesmo da divulgação dos dados oficiais. "Estendemos nossas mais sinceras congratulações ao presidente Nayib Bukele e seu partido Novas Ideias por sua vitória histórica nestas eleições", escreveu a embaixada do país em San Salvador na plataforma X.

O presidente da vizinha Guatemala também o cumprimentou. "Uma saudação cordial ao presidente
Nayib Bukele. O povo salvadorenho escolheu e fez ouvir a sua vontade", afirmou Bernardo Arévalo, que há alguns meses enfrentava uma ameaça de golpe. Honduras e Panamá também parabenizaram o líder.

Se confirmado o êxito, o publicitário de formação se tornará o primeiro líder em 80 anos a ser reconduzido ao cargo no país —a despeito do veto a reeleições previsto pela Constituição.

Em um encontro com jornalistas uma hora depois do fechamento das urnas, o líder negou, no entanto, estar acabando com a democracia. As declarações foram no sentido contrário. "Esta é a primeira vez na história que temos democracia", declarou. "E não sou eu quem diz isso, é o povo."

Na mesma ocasião, Bukele disse considerar "desnecessária" uma reforma constitucional para incluir reeleições indefinidas —possibilidade que seus críticos temem. E reforçou sua bandeira de combate ao crime, principal razão apontada para sua enorme popularidade no país.

"Se já superamos nosso câncer, com as metástases que eram as gangues, agora só precisamos nos recuperar e ser a pessoa que sempre quisemos ser", disse. "Acredito que agora, após meio século de sofrimento, é hora de El Salvador avançar."

Os principais adversários de Bukele no pleito eram Joel Sánchez, da Arena (Aliança Renovadora Nacional), membros das tradicionais siglas da esquerda e da direita salvadorenha, e Manuel Flores, da FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), respectivamente. A primeira ainda não se manifestou, e a segunda disse que esperaria que a apuração evoluísse.

Na sede da FMLN, legenda que lançou Bukele em 2012, o clima era melancólico. Ao longo da apuração, algo em torno de 20 pessoas passaram pela sede do partido pelo qual o presidente licenciado adentrou a política, como prefeito de Nuevo Cuscatlán, cidade nos arredores da capital, em 2012.

"Novas Ideias. Novas Ideias. Novas Ideias", diziam os membros das juntas eleitorais que faziam a contagem de votos transmitida pela TV local. De vez em quando, ouvia-se um "Arena", ou "FMLN" no aparelho com som estourado.

"Não temos resultados oficiais ainda, mas pela contagem já dá para saber que a votação arrasou a oposição", afirmou Antônio Arteaga, 67.

Membro de um comitê do partido em Los Angeles, o aposentado foi quem assistiu por mais tempo às análises políticas dos apresentadores na televisão entre os presentes. Na maior parte do tempo, os militantes passavam pela sala de piso frio, encostavam no púlpito com o logo da sigla no centro do cômodo e circulavam pela casa.

Arteaga diz que se interessou desde cedo pela política. No final da década de 1960, era simpatizante do PDC (Partido Democrata Cristão), que, assim como outros partidos, foi tragado pelo bukelismo nos últimos anos e mantinha seu único deputado na atual legislatura da Assembleia Nacional na coalizão do governo. "Naquela época eles tinham ideias mais de esquerda", diz ele.

Na FMLN, Arteaga entrou há oito anos —em uma época em que, em dia de eleição, dificilmente o prédio da legenda teria a monotonia que carregava neste domingo. Em 2016, a legenda cumpria oito anos no poder após chegar à Presidência com Mauricio Funes, em 2008, e tinha a prefeitura mais importante do país, a de San Salvador. Quem geria a cidade era Bukele. Para Artega, o vencedor deste domingo usou o partido para crescer politicamente.

"Ainda que ele ganhe, para nós, não será o presidente legal", diz o aposentado ao citar a inconstitucionalidade da reeleição.

As mudanças que seu antigo correligionário promoveu no número de assentos da Assembleia e na forma de contagem de votos a menos de 12 meses do pleito pode ter deixado a legenda com poucos ou nenhum assento. Bukele afirma, sem os resultados oficiais, que seu partido conquistou 58 dos 60 assentos, o que poderia reduzir a oposição a uma bancada de dois deputados.

Para Bukele, porém, isso é uma virtude. "Essa seria a primeira vez que existe um partido único em um sistema plenamente democrático em um país", afirmou ele em seu discurso de vitória, em frente ao Palácio Nacional. "El Salvador quebrou todos os recordes do mundo."

Bukele falava a pouco mais de dois quilômetros da sede da FMLN a milhares de pessoas que foram comemorar a sua vitória. A recepção do presidente licenciado deixou claro que ele nunca teve dúvidas de que ganharia. Seus eleitores encontraram na praça Gerardo Barrios um palco montado, dois telões, músicas pop eletrônicas tocando nas caixas de som e show de drones no céu, que formaram um boné com a letra N, como Nayib usa.

O político saiu na janela do Palácio, ao lado da primeira-dama, Gabriela Rodríguez, ao som de It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine), do R.E.M —"é o fim do mundo como o conhecemos (e eu me sinto bem)", em português.

Como de costume, Bukele atacou os Acordos de Paz que terminaram uma guerra civil de 12 anos em 1992 e os chamou de farsa. "Mandaram-nos acordos aplaudidos por todos os jornalistas que vocês veem ali", afirmou, apontando para a área de imprensa —horas antes, Bukele havia dado uma entrevista coletiva aos profissionais. O público imediatamente se virou para o local e começou a vaiar.

O discurso foi repleto de ataques a ONGs e órgãos multilaterais, que constantemente apontam as ofensivas de Bukele contra o Estado de Direito em seu país. O presidente usou os resultados eleitorais para responder críticos. "Se [os números da apuração] não os convence, senhores jornalistas, das ONGs, dos órgãos internacionais, da ONU, da OEA, nada vai convencer vocês", afirmou ele.

"Nós próximos anos, esperem para ver o que vamos fazer. Seguiremos fazendo o impossível", concluiu, antes de sair sob uma chuva de papel azul e branco e um show de fogos de artifício de 15 minutos.

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