Chegada do La Sofia com primeira grande leva de italianos completa 150 anos

Navio que atracou em Vitória com cerca de 400 passageiros trazidos para cultivar café marca início da imigração em massa

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Milão

Em 3 de janeiro de 1874, um veleiro de três mastros, com o nome de La Sofia, partiu do porto de Gênova com cerca de 400 italianos que moravam no norte do país. Acompanhados por um médico e um padre, o grupo se despediu do inverno rigoroso para chegar, 45 dias depois, ao verão de Vitória, no Espírito Santo.

Há 150 anos, a chegada da embarcação, em 17 de fevereiro, marcaria o início da imigração em massa da Itália para o Brasil. Os meses seguintes se mostraram mais difíceis do que o imaginado, diante do clima tropical e de promessas não cumpridas. Mesmo assim, a maioria permaneceu em território brasileiro.

Antes desse grupo, outros italianos já tinham se instalado no país, mas em menor número e de forma esporádica. A partir do La Sofia, a migração se intensificou e se manteve constante até o início do século 20. Segundo o IBGE, de 1870 a 1920, um fluxo de cerca de 1,4 milhão de italianos entrou no Brasil, 42% do total de estrangeiros que vieram nesse período.

O sesquicentenário da travessia Gênova-Vitória será comemorado neste sábado (17) na capital capixaba, com encenação do desembarque no porto e missa na Catedral Metropolitana, às 10h. Outros eventos estão programados ao longo do ano e em outras cidades do estado.

O La Sofia foi uma tentativa de empreendimento de Pietro Tabacchi, italiano que vivia no Brasil desde os anos 1850. Com a intenção de extrair madeira e de cultivar café, ele obteve autorização de autoridades imperiais para formar uma colônia privada no interior do Espírito Santo, com mão de obra imigrante.

"Antevendo o fim da escravidão e ciente de que o Brasil tinha uma política de incentivo, por meio da distribuição de lotes de terra, Tabacchi montou sua própria estrutura e fez um contrato com famílias na Itália", conta Cilmar Franceschetto, diretor-geral do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

Seu público-alvo era os camponeses do Trentino-Alto Adige, região que na época pertencia ao Império Austro-Húngaro. Eram famílias de cultura italiana que viviam em pequenas propriedades rurais e já tinham como costume migrar pela Europa durante o inverno, quando o clima dos Alpes limitava a agricultura de subsistência. Naqueles anos, dificuldades sazonais se somavam a outras crises: a Itália era um país recém-unificado, e a industrialização e as relações capitalistas avançavam em nações do norte europeu.

"O Trentino era uma terra de montanha, pequena e marginal, e estava sentindo essas mudanças. Além disso, houve uma série de pragas que afetaram as vinhas. A população estava muito perto da fome", afirma Renzo Grosselli, sociólogo especialista em emigração que mora na província de Trento, de onde saiu a grande maioria dos passageiros do La Sofia.

A iniciativa de Tabacchi, no entanto, não deu muito certo. Desembarcados totalmente em 21 de fevereiro –desde 2008, Dia Nacional do Imigrante Italiano–, em seguida eles começaram o deslocamento para as "terras prometidas". Primeiro, até o porto de Santa Cruz e depois para a colônia Nova Trento, onde hoje fica a cidade de Aracruz.

Logo nos primeiros dias na fazenda, os italianos se deram conta das adversidades. "Eles não encontraram condições de trabalho e de moradia dignas. As famílias ficaram todas num barracão, e os homens levavam horas para chegar até as terras em que deveriam trabalhar", diz Simone Zamprogno, descendente na sexta geração de italianos que chegaram ao Brasil no La Sofia.

O grupo, então, revoltou-se e, no começo de abril de 1874, há registros de que alguns começam a deixar a colônia de Tabacchi. Cerca de 140 italianos aceitaram uma oferta do governo imperial para ficar no Espírito Santo, na colônia Santa Leopoldina, desde os anos 1850 formada por suíços e alemães. Mais tarde, as famílias se estabeleceriam em lotes públicos do Núcleo do Timbuhy, que se tornaria a cidade de Santa Teresa.

Outras se moveram pelo país e chegaram ao Paraná e ao Rio Grande do Sul, onde estavam instaladas colônias alemãs. Segundo Franceschetto, do Arquivo Público, estima-se que uma dezena teria voltado para a Itália. Meses depois do desembarque do La Sofia, Tabacchi morreu, em junho de 1874.

Apesar das frustrações iniciais, o êxodo de italianos para o Espírito Santo ganhou força nos meses seguintes. Em 1875, chegaram ao menos outras cinco embarcações, com centenas de imigrantes, e até 1877, segundo o Arquivo Público, entraram ao menos 3.400 colonos. Além da busca por melhores condições de vida fora da Itália, as viagens foram impulsionadas pelos navios a vapor ou mistos, que reduziam em até 20 dias o tempo de travessia.

Do lado brasileiro, vigorava também uma política oficial de subvenções para atrair europeus. Havia a necessidade de mão de obra, em substituição aos escravos –a Lei do Ventre Livre é de 1871–, e de ocupação do território, para além dos indígenas. Ao mesmo tempo, as autoridades imperiais pretendiam promover o "embranquecimento" do brasileiro.

Cafezal em fazenda nas montanhas do Espírito Santo; primeira leva de italianos desembarcou para trabalhar nas lavouras do estado - Folhapress

"Existiam na época teorias científicas que associavam um conjunto de elementos positivos às populações do norte da Europa, criando a ideia de que eram mais inteligentes, capazes e trabalhadores", afirma Luis Fernando Beneduzi, nascido no Brasil e hoje professor de história e instituições das Américas na Universidade Ca' Foscari de Veneza. "Numa sociedade multirracial como a latino-americana, a importação de mão de obra europeia era vista como solução para transformar a população e construir uma nação mais rica."

Além do legado de mais de 30 milhões de descendentes estimados no Brasil e outros 797 mil com cidadania italiana que vivem hoje no país, o fluxo imigratório influenciou a formação da economia, da sociedade e da cultura brasileira. Para Beneduzi, uma questão fundamental é a diversificação que os italianos incentivaram tanto na produção quanto no consumo de bens.

"Eles trazem outros hábitos alimentares e vão contribuir para o processo de industrialização e um ciclo de crescimento para além da exportação do café", afirma o professor. "Também teriam participação importante na criação dos primeiros sindicatos, gerando nova movimentação e pressão social."

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