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Café na Prensa - David Lucena
David Lucena
Descrição de chapéu Agrofolha alimentação

Microagricultores se destacam com cafés exóticos e frutados nas montanhas do ES

Cafezais cultivados em sistemas de agricultura familiar produzem bebidas sensorialmente complexas e valorizadas

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Café cultivado em meio às montanhas do Espírito Santo produz bebidas frutadas e complexas David Lucena/Folhapress

Montanhas do Espírito Santo

Pequenas propriedades, colheita altamente seletiva e processamento artesanal. É assim que a região das montanhas do Espírito Santo tem se destacado no disputado mercado brasileiro de café de qualidade, setor dominado por estados como São Paulo e Minas Gerais.

Os grãos das montanhas capixabas produzem bebidas de alta complexidade sensorial, que se deve, em grande parte, às condições geoclimáticas da região. Por ser um fruto, o café tem sabores que variam conforme as características do local onde é cultivado. É o terroir, muito falado no mundo dos vinhos.

Cafés das montanhas do Espírito Santo

Esta é a primeira reportagem da série sobre uma das regiões cafeeiras mais valorizadas do país

Do mesmo modo que um vinho apresenta notas diferentes se for produzido a partir de uvas cultivadas em diferentes regiões, o café também apresenta sabores diversos a depender da variedade e das características de solo e de clima.

E é justamente o terroir um dos fatores responsáveis pela qualidade do café produzido nas montanhas capixabas, conforme explica Lucas Louzada, doutor em engenharia de produção com foco em produções agroecológicas e professor do Ifes (Instituto Federal do Espírito Santo).

É que, diferentemente das principais regiões produtoras de café do Brasil, sobretudo em Minas e São Paulo, as montanhas do Espírito Santo ficam muito próximas do mar –estão a cerca de 50 km de Vitória.

"Nós estamos muito próximos do oceano. Então a gente acaba recebendo uma carga de umidade mais elevada e mais rápida do que outras regiões produtoras de café. E, consequentemente, a combinação de fatores microclimáticos, como relevo, altitude, radiação solar, umidade relativa, tudo isso se soma aos aspectos sociais e produtivos", explica Louzada.

Quando fala em aspectos sociais, o pesquisador se refere sobretudo ao sistema de produção agrícola da região, com predominância de minúsculas propriedades e cultivo de várias plantas além de café.

O agricultor Edmar Busato, por exemplo, tem uma propriedade de 10 hectares (cada hectare tem 10 mil m²) em Marechal Floriano. Ele trabalha com a ajuda da própria família e, às vezes, de algum colaborador na época da colheita. Nesse sistema, consegue produzir até 60 sacas por safra –cada saca tem 60 kg de grãos de café verde, ou seja, antes de serem torrados.

O sistema de agricultura familiar se repete em vários produtores que o Café na Prensa visitou.

Em todas as propriedades, a colheita é toda feita de forma manual e altamente seletiva. Funciona assim: o produtor passa no pé de café e colhe somente os frutos que estão no ponto de maturação ideal, deixando os mais verdes para colher depois. Por safra, esses pequenos produtores passam cerca de cinco vezes no mesmo pé.

Quanto menor a propriedade, mais seletiva a colheita pode ser. Vagner Uliana, que tem um microcultivo de apenas 1 hectare em Domingos Martins, chega a passar até 15 vezes no mesmo pé. O perfeccionismo deu frutos: no ano passado, o produtor ficou com a terceira colocação do prêmio Coffee of The Year, que reconhece os principais destaques da safra brasileira.

O processo artesanal dos produtores das montanhas capixabas se estende ao pós-colheita. Uma vez retirados do pé, os frutos ficam secando em terreiros por ao menos 15 dias. Ezio Sartori, que cultiva uma área de 12 hectares no município de Castelo, diz que, para evitar acúmulo de umidade, ele e a família reviram os grãos que estão sobre o terreiro mais de dez vezes por dia.

Para entender exatamente cada uma das etapas que o café percorre desde o momento em que é cultivado até ele chegar à xícara, confira a galeria de imagens abaixo.

Tudo isso, aliado às condições geoclimáticas da região, resulta em bebidas complexas, explica Louzada. "Cafés com notas de limão, de rapadura, açúcar mascavo. São cafés muito complexos por conta dessas condições microclimáticas muito singulares", diz.

Essas singularidades fizeram com que, em 2021, o café das montanhas capixabas fosse reconhecido pelo INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) como um produto com denominação de origem –selo que designa um produto cujas qualidades se devam ao meio geográfico, como o que ocorre na Europa com o espumante da região de Champagne, na França, ou os queijos parmigiano reggiano, na Itália.

A denominação de origem do café das montanhas do ES engloba os municípios de Afonso Claudio, Alfredo Chaves, Brejetuba, Castelo, Conceição do Castelo, Domingos Martins, Iconha, Itaguaçu, Itarana, Marechal Floriano, Rio Novo do Sul, Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Santa Teresa, Vargem Alta e Venda Nova do Imigrante.

Em termos de volume, as montanhas capixabas não se comparam à produtividade de outras regiões, como as áreas mineiras, nas quais há fazendas bem maiores e com estruturas mais sofisticadas.

As montanhas do Espírito Santo produzem 1,40 milhões de sacas de café arábica por ano, segundo o Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), valor muito menor do que as principais regiões mineiras, como Sul e Centro-Oeste de Minas (9,6 milhões) e Zona da Mata, Rio Doce e Central (7,1 milhões), conforme a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).

Mas é pela qualidade –exótica e frutada– que os grãos têm chamado atenção de especialistas do Brasil e do mundo. Em São Paulo, a conceituada cafeteria Coffee Lab serve cafés da região há mais de uma década.

Duas das áreas cafeeiras mais valorizadas do mundo são a América Central, onde há o predomínio de pequenos produtores, e o leste da África, como Quênia e Etiópia, que produzem cafés muito frutados e complexos.

A barista Isabela Raposeiras, do Coffee Lab, define as montanhas capixabas assim: "É nossa América Central, no modo de produção, e nossa África, em termos de sabor".

Mas nem sempre foi assim. A próxima reportagem da série Montanhas do Espírito Santo vai mostrar como uma região praticamente ignorada se tornou a queridinha dos degustadores em menos de uma década.

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