Biden ataca Trump, trata de idade e faz campanha em discurso ao Congresso

Presidente não citou empresário nominalmente, mas contrastou seu mandato com o do antecessor; alvo de protestos pró-Palestina, anunciou porto temporário para ajuda a Gaza

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Washington e São Paulo

Sem citar nominalmente Donald Trump, Joe Biden usou seu último discurso ao Congresso para atacar o adversário, defender os feitos de seu governo e, sem disfarçar muito, fazer campanha por um novo mandato. "Mais quatro anos! Mais quatro anos", ecoaram membros de seu partido diversas vezes.

O democrata oscilou entre sua personalidade pública habitual, descontraída e piadista, e uma versão mais enérgica, na tentativa de mudar a visão dos americanos de que, aos 81 anos, ele está velho demais para comandar o país. O palco da performance foi o discurso do Estado da União, ponto alto do calendário político, quando o presidente presta contas e explica sua visão de futuro ao Legislativo e ao Judiciário.

O presidente dos EUA, Joe Biden, fala durante o discurso do Estado da União no Congresso - Shawn Thew - 7.mar.2024/Pool via REUTERS

Biden não fugiu do tema. "Na minha carreira, eu já ouvi que era jovem demais e que eu sou velho demais. Jovem ou velho, eu sempre soube o que perdura. A nossa estrela guia", disse. "Meus caros americanos, o problema que nossa nação enfrenta não é quão velhos somos, é quão velhas nossas ideias são."

De acordo com pesquisa AP-Norc divulgada na segunda-feira (4), 63% dos americanos não têm confiança na capacidade mental de Biden servir efetivamente como presidente. No caso de Trump, que tem 77 anos, são 57%. O presidente enfrenta ainda um alto nível de desaprovação (61%). Para a Casa Branca, o discurso desta quinta foi uma oportunidade para reverter esse quadro.

Diante de um plenário lotado, o democrata anunciou a construção de um porto na Faixa de Gaza para a entrada de ajuda humanitária por via marítima, prometeu tornar o aborto um direito garantido novamente em todo o país, e atacou Trump e os republicanos sempre que teve oportunidade, ressaltando por exemplo a recusa do partido em aprovar seu projeto de lei para endurecer a segurança na fronteira com o México.

O presidente não conseguiu evitar alguns deslizes, tropeçando em algumas palavras, mas uma temida gafe que pudesse ser explorada pela oposição não ocorreu. A grande surpresa viralizável da noite ficou a cargo do deputado cassado George Santos —diversos congressistas o abordaram para fotos. Questionado por repórteres, ele disse que, como ex-membro da Câmara, ainda tem acesso ao plenário.

No entanto, outro temor da Casa Branca se confirmou: protestos. Especialmente de sua própria base.

A deputada palestino-americana Rashida Tlaib não se levantou nem bateu palmas, como o restante do plenário o fez, quando Biden chegou. Quando o presidente começou a falar sobre Gaza em seu discurso, Tlaib e outras colegas, incluindo Alexandria Ocasio-Cortez, seguraram placas com as frases "cessar-fogo duradouro agora" e "pare de enviar bombas".

Mesmo antes do discurso, manifestantes a favor de um cessar-fogo ocuparam uma das rotas que Biden poderia tomar para ir da Casa Branca ao Capitólio. Eles projetaram a frase "o legado de Biden é o genocídio" em um prédio próximo.

Manifestantes pró-Palestina bloqueiam uma rua durante o discurso do Estado da União feito pelo presidente Joe Biden - Pedro Ugarte - 7.mar.2024/AFP

A avaliação negativa da postura do democrata no conflito no Oriente Médio é uma fragilidade que preocupa a campanha, especialmente com eleitores jovens e de origem árabe, que podem fazer a diferença em uma eleição apertada.

Em uma tentativa de reduzir as críticas, Biden confirmou no discurso os planos do governo para construir um porto na Faixa de Gaza para que navios possam atracar e entregar ajuda humanitária aos mais de 2 milhões de palestinos vivendo sob bombardeio intenso de Israel.

"Israel deve fazer sua parte e permitir que mais ajuda entre em Gaza. Assistência humanitária não pode ser uma consideração secundária ou algo para se barganhar", disse, e acrescentou que "a única solução a longo prazo é uma solução de dois Estados".

Um dos membros da ala progressista dos democratas, o deputado Chuy García, de Illinois, afirmou à Folha antes do discurso que "a coisa certa a se fazer é continuar trabalhando por um cessar-fogo" —ilustrando que mesmo o anúncio do porto pode não ser suficiente para satisfazer a base do presidente.

Do lado republicano, também houve protestos. Nesse caso, em relação às falas de Biden sobre imigração. O presidente defendeu o projeto de lei travado na Câmara que fecharia a fronteira sul dos EUA temporariamente, entre outras medidas para diminuir o número de migrantes que entram no país.

Repetindo a performance do ano passado, a deputada conservadora Marjorie Taylor-Greene gritou diversas vezes o nome de Laken Riley, cujo assassinato é atribuído pela polícia a um imigrante que cruzou a fronteira de modo ilegal.

Nesta quinta, a Câmara aprovou um projeto de lei em homenagem à mulher de 22 anos determinando a detenção de qualquer imigrante que tenha cometido roubo ou furto. Taylor-Greene usava uma camiseta com a frase "diga o nome dela" e um boné "Make America Great Again", marca registrada dos trumpistas.

Marjorie Taylor-Greene, deputada republicana pelo estado da Geórgia, grita contra o presidente Joe Biden durante discurso do Estado da União, no Capitólio - Shawn Thew - 7.mar.24/AFP

Biden respondeu pronunciando o nome de Riley e se referiu, para insatisfação de seus apoiadores progressistas, ao imigrante suspeito pelo crime como "um ilegal".

Ao mesmo tempo, o presidente disse que não vai "demonizar imigrantes" nem dizer que eles "envenenam o sangue da nação" —em alusão a uma declaração feita por Trump no ano passado. "Nós podemos brigar sobre a fronteira ou consertá-la. Eu estou pronto para consertá-la", disse, sob aplausos de democratas, que ecoaram o grito "consertar! Consertar!".

De origem hispano-americana, García também já havia se mostrado pessimista com os comentários de Biden sobre migração. "Ele deve reiterar o que tem falado", disse, em alusão ao endurecimento do discurso do presidente no tema. "A culpa é de Trump, de suas mensagens xenofóbicas, até mais do que em 2016", completou.

O presidente foi alvo de protesto de um membro da audiência não identificado. O homem se levantou da cadeira e gritou "Lembre de Abbey Gate! Marinha dos EUA!", em referência aos militares mortos em um ataque a um aeroporto durante a retirada das tropas americanas do Afeganistão.

Trump esteve quase o tempo todo nas entrelinhas do discurso. Logo de início, Biden defendeu, por exemplo, seu apoio à Ucrânia, aproveitando para afirmar que seu antecessor já declarou que deixaria Vladimir Putin, "fazer o que quiser" se os países europeus não cumprissem as metas de investimento militar da Otan.

Biden chamou essas falas de "perigosas" e "inaceitáveis". Levantando a voz, o democrata disse que os EUA não vão recuar. O presidente também aproveitou para apontar a presença do primeiro-ministro sueco, Ulf Kristersson, na plateia, marcando a entrada do país na aliança militar.

Finalizando um longo trecho em que relembrou as acusações de fraudes e a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 por apoiadores de Trump, Biden disse, sob aplausos, que "a verdade é que você não pode amar seu país só quando você vence".

Em rede social, Trump preferiu ironizar os momentos em que Biden tossiu durante sua fala. "A tosse, a tosse, sempre a tosse!", escreveu. "Não dê a mão para cumprimentá-lo. Ele tossiu nela a noite toda!".

Biden aproveitou a oportunidade para levantar a bandeira do direito ao aborto, cuja garantia em âmbito federal foi derrubada pela Suprema Corte em 2022.

"Aqueles que se gabam de reverter Roe vs. Wade [a sentença que protegia o acesso ao procedimento] não têm ideia do poder das mulheres na América. Mas eles descobriram quando a liberdade reprodutiva foi posta em votação e venceu em 2022 e 2023, e descobrirão novamente em 2024", disse o presidente.

"Se os americanos elegerem um Congresso que apoie o direito de escolha, prometo a vocês: eu restaurarei Roe vs. Wade como a lei do país novamente." Os juízes da Suprema Corte estavam presentes, e assistiram ao trecho do discurso sem demonstrar reação.

Magistrados da Suprema Corte americana se reúnem para assistir o discurso do Estado da União de Joe Biden no Congresso - Shawn Thew - 7.mar.2024/AFP

O apoio ao direito ao aborto é uma pauta que une democratas, independentes e até parte dos republicanos —o próprio Trump mantém uma posição ambígua a respeito. A revogação da garantia de acesso ao procedimento transformou a causa em uma bandeira popular para o partido de Biden, para prejuízo dos republicanos.

A Casa Branca convidou a texana Katie Cox para assistir ao discurso do plenário da Câmara. Ela batalhou contra o estado e, no limite, teve que cruzar a fronteira para interromper uma gravidez que colocava sua vida em risco. A maioria das congressistas democratas vestia branco em protesto pela defesa dos direitos reprodutivos. Algumas, no entanto, não aderiram ao movimento. Entre elas, Tlaib e Ocasio-Cortez.

Biden defendeu ainda sua gestão da pandemia e da economia, citando dados positivos de desemprego, inflação e crescimento. Como no ano passado, o democrata voltou a acusar os republicanos de quererem cortar a Previdência social. Em resposta, foi vaiado pela oposição.

O presidente defendeu seus programas voltados para energia limpa e infraestrutura. Cutucando republicanos, ele disse que via muitas pessoas que votaram contra esses projetos comemorando os recursos recebidos em seus distritos. "Se vocês não quiserem o dinheiro, me avisem".

Biden aproveitou para anunciar um plano para aumentar impostos de bilionários e grandes empresas a fim de reduzir a dívida pública americana e tentar ganhar terreno entre eleitores preocupados com a economia. As propostas devem incluir um aumento no imposto corporativo mínimo de 15% para 21%, bem como um imposto mínimo de 25% para bilionários.

Transmitido pela televisão, o discurso do Estado da União é uma chance de o presidente alcançar um público mais amplo. Apesar de em queda, a audiência no ano passado, por exemplo, foi de 27,3 milhões de pessoas. Biden parte agora para eventos de campanha na Pensilvânia e Geórgia, ambos estados-pêndulo apontados por analistas como cruciais para a eleição.

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