Formar governo sem a ultradireita é novo desafio para aliança vencedora em Portugal

Coligação à direita descarta vínculo com o ascendente Chega; se impasse se agravar, país pode ter que voltar às urnas

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Lisboa

Vencedora das eleições de domingo (10), a Aliança Democrática (AD), coligação dos partidos da direita tradicional lusa, deve ser convidada pelo Presidente da República para formar um novo governo em Portugal. A sustentação partidária para o futuro Executivo, contudo, ainda é um desafio.

Somadas, as legendas de direita obtiveram maioria no próximo Parlamento, conquistando 59,7% das vagas já definidas. O crescimento, no entanto, foi puxado sobretudo pelo partido de ultradireita Chega, com quem as demais siglas –a Iniciativa Liberal (IL), além da AD– já descartaram se entender para a formação do governo.

A exclusão da terceira força política mais votada complica significativamente o arranjo do Executivo à direita. A sigla populista obteve mais de 18% dos votos e garantiu 48 deputados, quadruplicando as dimensões da atual bancada, que tinha 12 representantes.

Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática, coligação de direita, comemora vitória nas eleições de Portugal
Luís Montenegro, líder da Aliança Democrática, coligação de direita, comemora vitória nas eleições de Portugal - Miguel Riopa - 10.mar.2024/AFP

A AD conquistou 79 deputados, enquanto os liberais elegeram 8 representantes. Sem o Chega, a direita soma por enquanto 87 assentos: três a menos que os partidos de esquerda.

Ainda há quatro mandatos parlamentares em jogo –a apuração dos votos dos portugueses que vivem no exterior ainda não terminou–, mas os próprios partidos já contam com a continuação de um cenário político indefinido.

Em seu discurso de vitória, o líder da AD e presidente do Partido Social Democrata (PSD), Luís Montenegro, afirmou que iria "cumprir as promessas" da campanha, reafirmando a intenção de não incorporar a ultradireita.

Ao reconhecer a derrota, o líder socialista, Pedro Nuno Santos, afirmou que não iria inviabilizar um governo da AD aprovando uma moção de censura, mas deixou claro que a direita não deveria contar com os votos do Partido Socialista (PS) para governar.

Na avaliação da cientista política Paula Espírito Santo, professora da Universidade de Lisboa, o mais provável é que a viabilidade do governo de Luís Montenegro "passe muito por uma negociação caso a caso das medidas, das leis e do Orçamento, com cada partido no Parlamento, incluindo o PS".

Segundo ela, se o isolamento das demais siglas em relação ao Chega se confirmar, o poder de ação da ultradireita ficaria mais limitado. "Vai ter peso, porque é o terceiro maior partido, mas, sozinho, acaba por ter também limitações enquanto legenda de oposição."

Ainda na avaliação da pesquisadora, as posturas de todos os partidos, inclusive os da oposição, serão decisivas para a capacidade do Chega de pressionar pela inclusão de pautas mais conservadoras na agenda legislativa, como as propostas anti-imigração de seu programa eleitoral.

No dia seguinte às eleições, enquanto Montenegro se mantinha em silêncio, o presidente do Chega, André Ventura, voltou a pressionar publicamente a AD, cobrando a inclusão da ultradireita nas negociações para o governo. "Se não houver nenhuma negociação, isso é humilhar o Chega e então eu votarei contra o Orçamento." Segundo ele, uma aliança com o Chega garantiria à direita tradicional uma maioria estável para completar os quatro anos da legislatura. "Aparentemente, a AD prepara-se para levar o país para a total irresponsabilidade."

Em um cenário em que não há aprovação de uma moção de censura no começo do governo, Montenegro poderia iniciar sua administração com medidas que não demandem grande esforço para passar no Parlamento. O primeiro desafio surgiria por volta de outubro, com as inevitáveis negociações para aprovação do Orçamento de Estado para o próximo ano.

É aí que um eventual impasse político poderia levar mais facilmente à convocação de eleições antecipadas. Foi o que aconteceu em 2021, quando o presidente Marcelo Rebelo de Sousa determinou a dissolução do Parlamento após o governo minoritário de António Costa não conseguir aprovar as contas para o ano seguinte.

A possibilidade de convocação de um pleito antecipado já é amplamente discutida entre os analistas políticos em Portugal. Nesta segunda-feira (11), em um comunicado com o balanço do resultado das eleições, a agência de risco canadense DBRS falou abertamente sobre essa possibilidade.

Se os partidos não chegarem a um entendimento, a convocação de um novo pleito só seria permitida a partir de novembro, uma vez que a lei portuguesa exige um intervalo de pelo menos seis meses em relação às últimas eleições.

Paula Espírito Santo destaca que a queda de um governo pode trazer consequências negativas também para os partidos que a provocam. "Os eleitores podem penalizar os partidos que são vistos como responsáveis pelas crises. Isso já aconteceu antes".

Ainda assim, líderes partidários mantiveram o tom combativo em seus pronunciamentos. O socialista Pedro Nuno Santos reconheceu a derrota já falando em recomeçar. "Seremos oposição, renovaremos o partido e procuraremos recuperar os portugueses descontentes com o PS. Essa é a nossa tarefa."

O presidente da República começa a se reunir com os líderes políticos com assento partidário nesta terça-feira (12), dando início formal ao processo de consultas para a formação do novo governo. O chefe de Estado receberá uma sigla por dia, sendo a última a Aliança Democrática, vencedora das eleições.

Em nota, o Palácio de Belém informou que só haverá convite para a formação de governo após a definição dos assentos parlamentares que correspondem aos portugueses no exterior. Esses resultados só serão conhecidos em 20 de março.

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