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John McWhorter

Sou professor de Columbia; protestos pró-Palestina no campus se tornaram abusivos

Manifestantes acham que estudantes e professores judeus têm de tolerar tudo isso porque são brancos

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John McWhorter

Professor associado de linguística na Universidade Columbia, é autor, entre outros, de “Racism Woke: How a New Religion Has Betrayed Black America" (Racismo Woke: Como uma Nova Religião Traiu a América Negra, em tradução livre)

The New York Times

Na última quinta-feira (18), na aula de humanidades musicais que eu leciono na Universidade Columbia, dois alunos estavam fazendo uma apresentação em sala sobre o compositor John Cage. Sua peça mais famosa é "4'33", que nos direciona a ouvir em silêncio os ruídos ao redor por exatamente esse tempo.

Tive que dizer aos alunos que não poderíamos ouvir a peça naquela tarde porque os ruídos ao redor não seriam de pássaros ou de pessoas passando pelo corredor, mas sim gritos enfurecidos dos manifestantes ao lado de fora do prédio.

Manifestantes pró-Palestina acampados no campus da Universidade Columbia, em Nova York - Sepencer Platt - 22.abr.24/Getty Images/via AFP

Ultimamente, esse ruído tem sido quase contínuo durante o dia e até de noite, incluindo cantos fervorosos de "Do rio ao mar" (slogan pró-Palestina). Dois alunos da minha turma são israelenses; outros três, até onde eu sei, são judeus americanos. Não consegui fazer com que eles sentassem e ouvissem isso como se fosse uma música ambiente.

Pensei no que teria acontecido se os manifestantes estivessem cantando slogans antinegros ou algo como "DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão) têm de morrer", com a mesma melodia de "Do rio ao mar", que foi adaptada. Eles teriam durado aproximadamente cinco minutos antes que massas de estudantes os calassem e os expulsassem do campus.

Cantos assim teriam sido condenados como uma grave ruptura da troca civilizada, anunciados como uma ameaça e rotulados como uma forma de violência. Apostaria que a maioria dos manifestantes contra a guerra em Gaza os veria dessa forma. Por que tantas pessoas acham que protestos de semanas no campus não apenas contra a guerra em Gaza, mas contra a própria existência de Israel, ainda assim devem ser permitidos?

Embora eu saiba que muitas pessoas judias discordarão de mim, não acho que o ódio aos judeus seja tanto o motivo para esse sentimento quanto a oposição ao sionismo e à guerra em Gaza. Conheço alguns dos manifestantes, incluindo um casal que foi preso na semana passada, e acho muito difícil imaginar que sejam antissemitas.

Sim, pode haver uma linha tênue entre questionar o direito de Israel existir e questionar o direito de as pessoas judias existirem. E, sim, parte da retórica nos protestos ultrapassa essa linha.

Conversas que tive com pessoas fortemente contrárias à guerra em Gaza, cartazes e publicações em redes sociais e em outros lugares, e comentários anti-Israel que ouço há décadas nos campi colocam esses confrontos dentro de uma batalha maior contra estruturas de poder —aqui na forma do que chamam de colonialismo e genocídio— e contra a branquitude. A ideia é que estudantes e professores judeus devem ser capazes de tolerar tudo isso porque são brancos.

Entendo isso até certo ponto. Manifestações e eventos pró-palestinos, dos quais houve muitos aqui ao longo dos anos, não são hostis aos estudantes, professores e funcionários judeus em si. O desacordo nem sempre será algo amigável. No entanto, o assalto implacável deste protesto atual —diário, alto, até a noite e usando uma retórica cada vez mais raivosa— está além do que se espera que qualquer pessoa suporte, independentemente de sua branquitude, privilégio ou poder.

A discussão nas redes sociais tem afirmado que os protestos são pacíficos. Eles são, às vezes. Varia de acordo com o local e o dia; geralmente o que acontece dentro dos portões do campus é um pouco menos estridente do que o que acontece fora deles.

Mas constantes são os batuques. As pessoas discordarão de quão pacífico esse som pode ser, assim como discordarão da natureza do antissemitismo. O que sei é que mesmo os protestos mais pacíficos seriam tratados como ultrajes se fossem interpretados como, por exemplo, contra negros, mesmo que a mensagem fosse codificada, como em um grupo de pessoas segurando silenciosamente placas do Maga ['Make America Great Again', slogan da campanha de Donald Trump] ou vestindo camisetas dizendo "Todas as vidas importam".

Além disso, chamar tudo isso de pacífico estica o uso da palavra de forma bastante implausível. É um tipo estranho de paz quando um rabino local insta os estudantes judeus a irem para casa o mais rápido possível, quando um ativista árabe-israelense é agredido na Broadway, quando os cantos raivosos se tornam tão constantes que você quase para de ouvi-los e começa a parecer normal ver cartazes e roupas retratando membros do Hamas como heróis.

Entendo que os manifestantes e seus simpatizantes sintam que tudo isso é a resposta adequada, justiça social em marcha. Disseram-lhes que justiça significa colocar a batalha contra a branquitude e seu poder no centro das atenções, contestando o abuso de poder por todos os meios necessários. E acho que a guerra em Gaza não é mais construtiva ou mesmo coerente.

No entanto, as questões são complexas, de forma que este tipo intransigente de luta pelo poder não é adequado. Permanecem questões legítimas sobre a definição de genocídio, sobre a extensão do direito de uma nação de se defender e sobre a justiça da partição (que historicamente não se limitou à Palestina). Há uma razão pela qual muitos consideram o conflito israelo-palestino o mais desafiador moralmente no mundo moderno.

Quando eu estava na Universidade Rutgers, em meados dos anos 1980, os protestos eram contra o investimento no regime do apartheid da África do Sul. Havia semelhanças com os protestos de Columbia agora: um grande grupo de estudantes estabeleceu um acampamento bem em frente ao centro estudantil em que dezenas dormiam todas as noites por várias semanas.

Entre a multidão majoritariamente branca a participação era um distintivo de compromisso cívico. Havia cantoria, juntamente com o teatro de rua inevitável, e talvez até necessário, para um protesto eficaz; um cara até se deitou para bloquear o trânsito, seguindo o exemplo dos protestos do Vietnã.

Não me lembro de sul-africanos no campus se sentindo pessoalmente visados, mas a grande diferença era que, embora os manifestantes buscassem passar sua mensagem em alto volume, por um longo período e às vezes até de maneira rude, eles não buscavam encerrar a vida no campus.

Na noite da última segunda-feira (22), Columbia anunciou que as aulas seriam híbridas até o fim do semestre, em prol da segurança dos estudantes. Presumo que os manifestantes continuarão ao longo dos dois principais dias de formatura, manchando um dos momentos mais especiais da vida de milhares de formandos em nome de denunciar a guerra "imperialista" no exterior.

Os manifestantes de hoje não odeiam o governo de Israel mais do que os de ontem odiavam o da África do Sul. Mas eles buscaram seus objetivos com um tom marcadamente diferente —em parte devido à determinação da cultura acadêmica antirracista e em parte devido à influência dos iPhones e das redes sociais, que incentivam inerentemente um melhor desempenho. Faz parte da trama dos protestos de hoje que estão sendo gravados de muitos ângulos para o mundo ver.

Mas essas mudanças na história moral e na tecnologia dificilmente podem confortar os estudantes judeus aqui e agora. O que começou como um protesto inteligente se tornou, com sua fúria inflexível, uma forma de abuso.

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