Descrição de chapéu Taiwan China

Lai Ching-te, novo líder de Taiwan, toma posse com ilha dividida

Em discurso, promete estabilidade e manutenção do status quo com a China, mas partidos se enfrentam no Legislativo

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Pequim

As cenas de pancadaria no Legislativo de Taiwan correram mundo e fizeram o presidente eleito, Lai Ching-te, adiantar-se ao seu aguardado discurso de posse desta segunda-feira (20), publicando em mídia social um apelo aos partidos do próprio governo e da oposição.

"Partilho as preocupações de todos sobre o Yuan e o futuro de Taiwan", escreveu Lai, usando o nome dado ao Parlamento da ilha. "Espero que os partidos voltem a ter discussões racionais, para que seja restabelecido o funcionamento das deliberações."

No próprio discurso, no final desta manhã em Taipé, horário local, repisou que "o povo tem expectativa em relação à discussão racional dos partidos". E que "as deliberações do legislativo devem ser conduzidas com a maioria respeitando a minoria e a minoria obedecendo à maioria, de modo a evitar conflitos e manter a estabilidade e harmonia social".

No pronunciamento, em tom moderado, ele defendeu estabilidade, dando continuidade ao governo anterior, em que era o vice-presidente, e a manutenção do status quo nas relações com a China.

Lai Ching-te e sua mulher, Wu Mei-ju, acenam durante a cerimônia de posse em Taipé, em 20 de maio de 2024 - AFP

A violência da última sexta foi durante a leitura da reforma que amplia poderes de fiscalização do governo pelos parlamentares. Foi proposta pelos oposicionistas Kuomintang (KMT) e Partido do Povo de Taiwan (PPT), que agora controlam o Legislativo, e questionada pelo Partido Democrático Progressista (PDP), de Lai.

No domingo (19), na capital, Taipé, o PPT realizou manifestação pela reforma parlamentar e outras, em que seu líder Ko Wen-je cobrou de Lai promessas feitas anteriormente de apoio às mudanças. O legislativo volta ao tema na terça-feira (21), quando está prevista nova manifestação, esta do PDP, contra a reforma.

Lai fez carreira prometendo a independência da ilha, mas já na campanha procurou se moderar. Após uma recaída na reta final, quando falou em mudar a Constituição, ele se retratou —e agora reafirmou, em mídia social: "cumprirei a Constituição", que estabelece a ilha como República da China. Para Pequim, a China continental e Taiwan são duas partes de uma só China.

Protesto organizado pelo Partido do Povo de Taiwan (PPT) em Taipé, capital de Taiwan - AFP

Com essa "abordagem moderada" de Lai e o "foco de Washington nas eleições de novembro, é improvável que as tensões aumentem em torno de Taiwan até pelo menos o final do ano", avalia Amanda Hsiao, especialista em China no think tank europeu International Crisis Group e natural de Taiwan.

Por outro lado, acrescenta, Pequim adotou ações ostensivas recentes, como as patrulhas regulares em torno da ilha de Kinmen, parte de Taiwan, mas situada a seis quilômetros do continente —após a morte de dois pescadores chineses em fevereiro, numa operação não esclarecida da guarda costeira taiwanesa.

A avaliação de Hsiao é corroborada por Yan Zhensheng, professor de ciência política da Universidade Nacional de Taiwan, a principal da ilha. Ele projeto que, " pelo menos no início, é improvável que Lai assuma uma postura pró-independência". Mas também "é improvável que ofereça qualquer tipo de trégua a Pequim".

Paralelamente, Yan observa que, pelos atritos das últimas semanas, "as Filipinas transformaram o mar do Sul da China, em vez do estreito de Taiwan, num desafio mais sério de segurança, com Pequim e Manila num clima de confronto e prontos para ver qual lado vai piscar primeiro".

Para Hsiao, "o potencial para uma escalada no mar do Sul da China cresceu pela possibilidade de acontecer um incidente não intencional, mas nem Pequim nem Washington querem entrar em conflito direito e vão agir com alguma contenção."

Autoridades chinesas levantaram diversos alertas sobre Taiwan nos últimos dias. O porta-voz do Ministério da Defesa, Zhang Xiaogang, citou nominalmente o PDP e os Estados Unidos, prometendo "contramedidas decisivas a quaisquer atividades separatistas e conivência estrangeira". Outros órgãos, inclusive a Embaixada da China no Brasil, esta em videoconferência, manifestaram-se na mesma direção.

Mais do que militar, a sombra para o governo Lai está no Legislativo dominado pela oposição. Além da reforma que amplia seu poder de vigilância sobre o executivo, entre outras, a expectativa é que volte ao plenário um plano de acordo comercial com a China.

Mais de oito anos atrás, ele estava para ser implementado, pelo governo então nas mãos do KMT, quando foi inviabilizado por grandes manifestações, que acabaram levando o PDP ao poder logo em seguida. Desta vez, tanto KMT como PPT apoiaram, ao longo da campanha, ampliar o comércio com o continente.

Para Yan, "a oposição tentará ressuscitar relações comerciais mais estreitas com a China. Isso ficou óbvio na visita de legisladores a Pequim no mês passado". No lado dos apoiadores do governo, a esperança é reativar as manifestações de 2016 —e as cenas de sexta seriam prenúncio disso.

O PDP, que havia perdido as ruas para o PPT, partido hoje mais identificado com os estudantes taiwaneses, busca retomar a iniciativa. "Acho que o público está mais inclinado para o PDP depois do caos de sexta", diz Wang Shih-Han, comerciário e partidário de Lai, estimando que haverá muitas pessoas no protesto de terça.

Para tanto, ele espera um Lai mais ativo, disposto a "fazer o que for necessário, para defender ou atacar". Vem aí "um tempo caótico", projetou, com KMT e PPT apresentando "projetos inclinando Taiwan para a China" e, a partir daí, "impasse político" na ilha.

A posse nesta segunda teve representantes dos EUA, mas não com mandato. Foram anunciados um ex-assessor econômico do presidente democrata Joe Biden, Brian Deese, e o subsecretário de Estado do ex-presidente republicano George W. Bush, Richard Armitage. Os enviados de Japão e Alemanha também eram menos graduados.

Como Taiwan é reconhecida diplomaticamente por apenas 12 países, o principal líder na posse foi o presidente do Paraguai, Santiago Peña. O da Guatemala, Bernardo Arévalo, enviou seu chanceler.

A LINHA DO TEMPO DE TAIWAN

1601-1682: Ilha não tem autoridade central. É parcialmente ocupada por europeus e exilados da dinastia Ming por algumas décadas

1683-1894: Torna-se parte da China sob a dinastia Qing

1895: Torna-se colônia do Império do Japão após ele vencer a primeira guerra sino-japonesa

1945: Obrigado a ceder seus territórios no exterior após a Segunda Guerra Mundial, o Japão devolve a ilha à então República da China

1949: Governo da República da China se transfere para a ilha após o Partido Nacionalista (Kuomintang, KMT), de Chiang Kai-shek, ser derrotado na guerra civil pelo Partido Comunista, de Mao Tse-tung; chineses de diversas províncias continentais se mudam para a ilha (hoje respondem por 15% da população) e se juntam aos descendentes de grupos que migraram das províncias de Fujian e Guandong nos séculos anteriores (hoje 80% dos habitantes).

1950-1959: Com apoio dos EUA, a República da China implementa uma reforma agrária que abre caminho para maior produção agrícola e crescimento econômico; prosperidade rural estimula o desenvolvimento industrial e urbano

1960-1969: Investimentos da década anterior levam a um "milagre econômico", com taxas anuais de crescimento do PIB que chegam a dois dígitos

1971: República da China, conhecida como China nacionalista, perde sua cadeira na ONU para a República Popular da China ou China continental, e a ilha passa a ser tratada no exterior como Taiwan ou Formosa; industrialização voltada para exportação se acelera nos anos 1970, partindo de têxteis para os aparelhos eletrônicos

1985: Ministro Li Kwoh-ting contrata o executivo Morris Chang para comandar a expansão de chips na ilha, dizendo a ele, segundo a lenda, "Queremos uma indústria de semicondutores, quanto dinheiro você precisa?"; a TSMC é fundada dois anos depois

1987: É suspensa a lei marcial vigente desde 1949 e começa a democratização da ilha

1992: República da China e República Popular da China aceitam o princípio de uma só China, mas, segundo Taipé, podendo definir separadamente o que é China

1996: Primeiras eleições presidenciais culminam com vitória do KMT

2000: Primeira vitória do Partido Democrático Progressista inicia a alternância no poder; dois mandatos de Chen Shui-bian terminam marcados por corrupção, conflitos étnicos e deterioração das relações com China e com EUA

2008: Efeitos da crise financeira nos EUA atingem taxas anuais de crescimento, que baixam de patamar a partir daí

2014-2015: Então no fim do segundo mandato, presidente Ma Ying-jeou (KMT) vê seu projeto de acordo comercial com a China ser inviabilizado por protestos

2016: Tsai Ing-wen (PDP) é eleita presidente e rejeita o princípio de uma só China; seus dois mandatos são marcados por redução de contatos com Pequim e aproximação com Washington, inclusive por meio da compra de caças, mísseis e tanques

2022: A então presidente da Câmara dos EUA, Nancy Pelosi, visita Taiwan, ampliando a deterioração nas relações com Pequim, que cerca a ilha e passa a fazer exercícios militares intermitentes

2024: Lai Ching-te (PDP), vice de Tsai, é eleito presidente de Taiwan, mas a oposição obtém maioria no Legislativo

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