Líder do Hamas marcado para morrer vira figura-chave de negociações com Israel

Yehia Sinwar, que estaria escondido com reféns nos túneis em Gaza, tem papel crucial nas decisões da facção

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Patrick Kingsley Julian E. Barnes Adam Rasgon
Jerusalém | The New York Times

Após o ataque do Hamas a Israel que desencadeou a guerra na Faixa de Gaza, em outubro, líderes israelenses descreveram o oficial mais graduado do grupo no território palestino, Yehia Sinwar, como um "morto ambulante".

Tel Aviv chegou a dizer que o assassinato de Sinwar, tido como o arquiteto dos atentados, era o grande objetivo do devastador contra-ataque do país.

Outdoor mostra foto de homem de meia idade com barba, olhando para cima,  e carros circulam em rua em frente a outdoor
Carros trafegam em Tel Aviv em frente a um outdoor com uma imagem do líder do Hamas Yahya Sinwar e a frase 'pense bem em quem se beneficia da nossa divisão' em hebraico - Jack Guez/AFP

Sete meses depois, a sobrevivência de Sinwar funciona como um símbolo das falhas do conflito — que destruiu grande parte de Gaza, mas deixou a liderança do Hamas em grande parte intacta e não conseguiu libertar a maioria dos reféns levados durante o ataque de outubro.

Assim, ao mesmo tempo em que os oficiais israelenses tentavam matar Sinwar, eram obrigados a negociar, ainda que indiretamente, com ele para libertar os sequestrados ainda em cativeiro.

Sinwar emergiu não apenas como um comandante determinado, mas também como um negociador astuto que impediu uma vitória israelense no campo de batalha enquanto negociava com os enviados israelenses, de acordo com representantes do grupo terrorista, de Israel e dos Estados Unidos.

Alguns falaram sob condição de anonimato que o consentimento de Sinwar —que, acredita-se, está escondido na rede de túneis sob Gaza— é necessário para os negociadores do Hamas fazerem quaisquer concessões durante as conversas mediadas no Qatar e no Egito.

Integrantes do Hamas insistem que ele não tem a palavra final em todas as decisões do grupo. Mas ainda que ele tecnicamente não tenha autoridade sobre toda a facção, seu papel de liderança em Gaza e sua personalidade enérgica deram a ele uma importância desproporcional.

"Sinwar não é um líder comum. É alguém poderoso, um arquiteto dos acontecimentos", diz Salah al-Din al-Awawdeh, membro do Hamas e analista político que se tornou amigo de Sinwar quando ambos estavam presos em Israel durante os anos 1990 e 2000.

Sinwar deu pouquíssimas declarações desde o início da guerra, diferentemente de outros membros do grupo que vivem fora de Gaza como Ismail Haniyeh, o principal representante político da facção.

Embora seja nominalmente subordinado a Haniyeh, Sinwar tem sido central na decisão do Hamas de se manter firme na exigência de um cessar-fogo permanente, dizem oficiais dos EUA e de Israel.

Esperar a aprovação de Sinwar retardou muitas vezes as negociações. Os ataques israelenses danificaram grande parte da infraestrutura de comunicação de Gaza, e em algumas ocasiões foi necessário um dia inteiro para enviar uma mensagem a Sinwar e outro para receber uma resposta.

Ao longo das conversas, que empacaram de novo no Cairo na semana passada, o líder emergiu como um adversário cruel e um hábil operador político, capaz de analisar a sociedade israelense e tomar decisões de acordo com essa análise.

Durante seu tempo em cativeiro, Sinwar aprendeu hebraico e desenvolveu uma compreensão da cultura e sociedade israelenses, dizem ex-colegas de cela e agentes israelenses que o vigiaram na prisão. Ele agora parece estar usando esse conhecimento para semear divisões na sociedade israelense e aumentar a pressão sobre o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu.

Autoridades israelenses acreditam que Sinwar cronometrou a divulgação de vídeos de alguns reféns para provocar indignação pública contra Netanyahu durante fases cruciais das negociações de trégua.

Alguns israelenses querem que os reféns restantes sejam libertados mesmo que isso signifique concordar com as demandas do Hamas por uma trégua permanente que, em última instância, manteria o grupo (e Sinwar) no poder.

Mas Netanyahu tem relutado em concordar com o fim da guerra —em parte por pressão de alguns de seus aliados de direita, que ameaçaram renunciar se a guerra terminar com o Hamas intacto.

Se Netanyahu pode ser acusado de prolongar a luta em benefício próprio, o mesmo se dá com seu arqui-inimigo Sinwar. Oficiais de inteligência israelenses e americanos dizem que sua estratégia é manter a guerra em andamento pelo tempo que for necessário para arruinar a reputação internacional de Israel e prejudicar seu relacionamento com seu principal aliado, os EUA.

Enquanto Israel era pressionado a não iniciar operações terrestres em Rafah, o Hamas lançou foguetes da cidade em direção a um posto fronteiriço próximo, matando quatro soldados israelenses.

Se o lance tiver sido premeditado, ao que tudo indica, ele deu certo: Israel iniciou uma operação na semana passada nas franjas de Rafah. Foi nesse context o que o presidente Joe Biden fez sua crítica mais forte à política israelense desde o início do conflito, dizendo que interromperia envios de armas programados se o Exército israelense iniciasse uma invasão em grande escala do núcleo urbano da cidade.

Autoridades dos EUA dizem que Sinwar provavelmente está nos túneis sob Khan Younis, no norte. Essa informação poderia minar a justificativa israelense para invadir Rafah por terra.

Projetando uma imagem de unidade

O Hamas e seus aliados negam que Sinwar ou a facção estejam tentando usar o sofrimento palestino como instrumento de barganha. "A estratégia do Hamas é parar a guerra agora", diz Ahmed Yousef, um veterano do Hamas baseado em Rafah. "Interromper o genocídio e o assassinato do povo palestino."

Representantes dos EUA dizem que Sinwar demonstrou desprezo por seus colegas fora de Gaza, que não foram informados sobre os planos do ataque do Hamas em 7 de outubro. Elas também acreditam que Sinwar aprova as operações militares conduzidas pelo grupo terrorista, embora oficiais de inteligência israelenses digam que não têm certeza da extensão de seu envolvimento.

Uma autoridade ocidental sênior familiarizada com as negociações de cessar-fogo diz acreditar que Sinwar toma decisões em conjunto com seu irmão, Muhammad, um líder militar sênior do Hamas, que, ao longo da guerra, às vezes discordou dos líderes do grupo fora de Gaza.

Enquanto a liderança externa às vezes estava mais disposta a fazer concessões, Sinwar mostrava menos disposição para ceder terreno aos negociadores israelenses. Em parte, porque ele sabe que provavelmente será morto, quer a guerra termine ou não, disse a autoridade. Mesmo que os negociadores fechem um acordo de paz, Israel provavelmente perseguirá Sinwar pelo resto de sua vida.

Membros do Hamas tentam projetar uma imagem de unidade, minimizando o papel individual de Sinwar na tomada de decisões e afirmando que a liderança eleita do Hamas determina coletivamente as ações.

Sinwar não pôde ser contatado para comentar as informações. Autoridades dos EUA e de Israel dizem que ele está se escondendo perto de reféns, usando-os como escudos humanos. Uma refém israelense que foi libertada durante a trégua em novembro disse que conheceu Sinwar enquanto estava presa.

Em fevereiro, o Exército israelense publicou um vídeo que disse ter sido captado por uma câmera de segurança encontrada em um túnel do Hamas sob Gaza. O vídeo mostrava um homem descendo apressadamente o túnel enquanto era acompanhado por uma mulher e algumas crianças.

Os militares dizem que o homem era Sinwar, que fugia com sua família. É impossível checar a informação —a câmera não captou o rosto do homem.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.