Descrição de chapéu Alemanha Parlamento Europeu

Avanço da extrema direita na Alemanha reflete divisão do país durante a Guerra Fria

Sigla AfD foi a mais votada nos 5 estados que ficaram sob influência soviética no pós-guerra

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São Paulo

A extrema direita da Alemanha voltou a exibir sua força no domingo (9), quando a AfD (Alternativa para a Alemanha, na sigla original) se tornou o segundo partido mais votado no país nas eleições para o Parlamento Europeu.

A legenda obteve mais de 15% dos votos válidos em solo alemão, mais do que o SPD (sociais-democratas) do primeiro-ministro Olaf Scholz —líder que, diferentemente do presidente francês, Emmanuel Macron, já declarou que não pretende antecipar eleições gerais em razão do desempenho de sua sigla no pleito europeu.

Líderes do partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha) Alice Weidel (centro) e Tino Chrupalla (direita) comemoram desempenho da sigla após divulgação dos resultados iniciais das eleições para o Parlamento Europeu, em Berlim - Ralf Hirschberger - 9.jun.24/AFP

O feito da AfD se deve, em certa medida, a seu desempenho nos estados da Alemanha Oriental, parte do território que ficou sob influência da União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial. A sigla extremista não só foi a mais votada nos cinco estados que compunham a chamada RDA (República Democrática Alemã), como obteve mais de um terço dos votos na Saxônia e na Turíngia —regiões em que, juntos, os três partidos da coalizão governista (além do SPD, o liberal FDP e o Verdes) mal reuniram 15% dos votos.

O êxito da extrema direita põe em evidência as cicatrizes da reunificação entre a Alemanha Ocidental, capitalista, e Oriental, comunista, em 1990, visíveis principalmente na economia. Embora se estime que a Alemanha tenha injetado cerca de € 2 trilhões (R$ 12 trilhões na conversão atual) nos antigos estados sob influência soviética ao longo dos últimos 30 anos, os números mostram que essas regiões estão ainda hoje bastante atrasadas em comparação com o restante do território.

Uma pesquisa do Pew Research Center de 2019 indicava que, naquele ano, a diferença do PIB per capita entre os dois lados era de pouco mais de € 10 mil (R$ 58 mil), ou € 43 mil (R$ 248 mil) no Oeste e € 32 mil (R$ 184 mil) no Leste. Além disso, o índice de desemprego era maior nos estados da antiga RDA —6,9% ante 4,8%.

"Coloque praticamente qualquer indicador econômico em um mapa e a antiga divisão Leste-Oeste reaparece", resumiu a historiadora anglo-germânica Katja Hoyer, autora de "Beyond the Wall" (além do muro), em um artigo para o jornal britânico The Guardian.

Uma das razões para esse atraso foi a ida das grandes empresas para o lado capitalista nos primeiros anos do pós-guerra. Um mapa com as sedes das principais companhias alemãs mostra que quase todas elas mantêm ainda hoje suas matrizes na antiga Alemanha Ocidental e em Berlim —que também era metade Ocidental. Assim, praticamente não sobraram firmas com porte suficiente para investir em pesquisa e empregar mão de obra qualificada.

A própria população do Leste migrou em massa para o Oeste antes e depois da reunificação. Mulheres jovens, em especial, estudaram e se casaram do lado ocidental, enquanto seus contemporâneos do sexo masculino continuavam do lado soviético. Uma das consequências desse movimento é que os estados do lado direito do muro hoje são os mais afetados pela crise demográfica no país, registrando números de habitantes em idade produtiva menores do que os do lado esquerdo.

Somadas, essas disparidades estimulam um sentimento de marginalização entre os alemães orientais. E a extrema direita explora ativamente essa emoção com seu discurso antissistema, promovido por seus membros em bares, palestras e outros eventos locais.

Uma pesquisa da Universidade de Leipzig do ano retrasado dá indícios de que essa retórica extremista já está arraigada na região. Metade dos entrevistados do estudo se disse a favor da proibição da imigração para muçulmanos, e quase 70% declarou acreditar que a única razão pela qual estrangeiros vão para Alemanha é para explorar o Estado de Bem-Estar Social.

Além disso, cerca de um quarto dos entrevistados afirmou que o regime nazista não era de todo ruim, e 1 em cada 3 disse considerar que a influência dos judeus na sociedade era excessiva. Um terço dos que responderam à pesquisa concordaram com a afirmação: "Deveríamos ter um líder que governe a Alemanha com mão de ferro para o bem de todos".

Além do segundo lugar no pleito europeu, a AfD —que alguns defendem que seja banida da vida pública por causa das repetidas apologias ao nazismo feitas por seus membros— deve ganhar em pelo menos 3 dos 8 estados que tiveram eleições locais.

Já nas sondagens para as eleições gerais do ano que vem, ela aparece com cerca de 16% das intenções de voto. É mais uma amostra de que não deve demorar para ela começar a moldar também a política da Alemanha Ocidental.

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