Conheça bastidores da decisão de Biden de abandonar corrida à Presidência dos EUA

Grupo seleto de assessores acompanhou processo, e maioria da Casa Branca soube de notícia por meio das redes

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The New York Times

"Preciso que você e Mike venham aqui", disse Joe Biden no final da tarde do sábado (20).

O presidente americano estava em sua casa de veraneio em Rehoboth Beach, Delaware. Ele falava ao telefone com Steve Ricchetti, um de seus assessores mais próximos —o "Mike" era Mike Donilon, maior estrategista do presidente e redator de vários de seus discursos.

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O presidente dos EUA, Joe Biden, se dirige a entrevista coletiva antes de embarcar em avião presidencial em Madison, Wisconsin - Tom Brenner - 5.jul.2024/The New York Times

A dupla logo chegou à propriedade, mas manteve certa distância do presidente, que estava se recuperando de Covid-19.

Daquele momento até tarde da noite, os três trabalharam em uma das cartas mais importantes do período de Biden no comando dos Estados Unidos —o anúncio de sua decisão de abandonar a campanha à reeleição, cedendo à pressão de figuras importantes do Partido Democrata, doadores, aliados próximos e amigos.

A decisão contradisse as repetidas e furiosas negativas que a campanha do presidente vinha dando aos que perguntavam se ele pretendia mesmo continuar na corrida.

A surpresa do anúncio ainda chamou a atenção para o fato de que a a informação tinha ficado até aquele momento em segredo, sendo compartilhada apenas por um grupo fechado de amigos, assessores de longa data e familiares do líder —algo que ocorreu ao longo de todo o seu mandato, mas que se intensificou durante a crise que acompanhava o líder desde o seu desempenho desastroso em um debate televisionado contra Donald Trump, no final do mês passado.

Este relato é baseado em entrevistas com pessoas próximas a Biden, incluindo políticos, doadores, amigos e familiares que sabiam o que o presidente estava pensando ao tomar o que talvez tenha sido a decisão política mais difícil de sua carreira.

'Ele com certeza está dentro!'

Jen O'Malley Dillon não poderia ter passado uma mensagem mais clara ao participar no programa Morning Joe da MSNBC. "Com certeza, o presidente está nesta corrida", disse a chefe da campanha do democrata na manhã de sexta-feira (19), um traço de exasperação audível em sua voz.

Como outras pessoas próximas de Biden, O'Malley Dillon estava determinada a demonstrar confiança na candidatura do líder. Mas estava ficando cada vez mais difícil ignorar os doadores em pânico e os legisladores democratas que estavam se voltando publicamente contra o presidente.

Ao longo da sexta-feira, cerca de uma dúzia de legisladores pediram a Biden para desistir e deixar outra pessoa concorrer.

Naquele momento, não houve nenhuma declaração por parte do presidente, que estava isolado com a esposa, Jill Biden —ou de Steve Ricchetti, um de seus assessores, Annie Tomasini, vice-chefe do gabinete do líder, e Anthony Bernal, principal assessor da primeira-dama.

Os dirigentes nacionais da campanha de Biden se reuniram em uma ligação regular com ele na manhã de sábado, preparados para o que pensavam ser informações importantes sobre o futuro do líder.

Dado tudo o que tinha acontecido na sexta, eles esperavam notícias importantes. Mas o grupo ficou surpreso quando os membros da equipe do democrata simplesmente começaram a atualizá-los sobre campanhas porta-a-porta e nas mídias sociais como faziam rotineiramente.

Depois de cerca de 30 minutos, dois ou três dos dirigentes, já exasperados, interromperam o encontro e disseram que era preciso falar sobre o elefante na sala. A isso seguiu-se uma discussão angustiada, mas não houve resolução.

Uma semana antes, em 13 de julho, o líder da maioria no Senado e um dos maiores aliados de Biden, Chuck Schumer (Nova York), tinha repassado uma má notícia ao presidente. Ele afirmou que a maioria dos membros democratas do Congresso estava pronta para retirar seu apoio à sua candidatura e o instou a considerar três coisas ao ponderar sobre uma possível desistência: os riscos para o seu legado pessoal, o futuro do país e o potencial impacto que grandes perdas dos democratas nas eleições de novembro sobre o Legislativo.

Preciso de mais uma semana, teria respondido Biden segundo uma pessoa com conhecimento da reunião de 35 minutos.

Três ligações

Biden pareceu mostrar sinais de ter mudado de opinião no sábado, durante uma conversa com Ricchetti, Tomasini e Bernal. Donilon, convocado pelo presidente, chegou por volta das 16h.

Ainda doente e rouco, o presidente optou por anunciar sua decisão por carta em vez de vídeo. Trabalhou no texto com Donilon, autor de muitos dos seus discursos, enquanto Ricchetti se concentrava nos próximos passos, incluindo quando e como informar a equipe e quem precisava ser notificado.

A carta foi finalizada no domingo (21), enquanto funcionários da Casa Branca desinformados e aliados do presidente continuavam a dizer a jornalistas que o presidente estava determinado a permanecer na corrida, derrotar Trump e cumprir mais um mandato.

Os primeiros três a saber a verdade foram a vice-presidente, Kamala Harris, e os chefes de gabinete e de campanha de Biden, respectivamente Jeff Zients e O'Malley Dillon. Cada um deles recebeu a notícia em um telefonema separado, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto.

Às 13h45 de domingo —um minuto antes de Biden publicar sua carta de desistência—, o presidente informou vários de seus assessores sobre a decisão, incluindo Anita Dunn, sua gerente de estratégia de comunicação. Ele leu a carta para eles e agradeceu à equipe pelo serviço prestado.

A postagem no X foi feita às 13h46.

Um coro de alertas

Nas fileiras da Casa Branca, alguns estavam em choque. Outros choravam, e outros ainda estavam aliviados por saber que pelo menos uma decisão tinha sido tomada e a campanha poderia seguir em frente.

Enquanto isso, o co-diretor da campanha de Biden à reeleição, o senador Chris Coons (Delaware), participava de um evento sobre segurança nacional no Instituto Aspen, no Colorado. Ele apresentava um painel intitulado "O Fim da Confiança? Inteligência Artificial (IA) e Desinformação" até que, em meio à discussão sobre os riscos de deep fakes nas eleições em novembro, membros da plateia, incluindo jornalistas, começaram a discutir se a carta do presidente era fake news.

A certa altura, o evento foi interrompido pela ex-secretária de Estado Condoleezza Rice, que se voltou para o punhado de repórteres na sala para perguntar se a notícia havia sido confirmada pelo governo. Eles checaram seus telefones e disseram que sim —e Coons saiu para retornar uma ligação da Casa Branca.

Katie Rogers , Michael D. Shear , Peter Baker e Zolan Kanno-Youngs
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