Descrição de chapéu
Eleições no Reino Unido

Reino Unido vota por mudança de forma convencional

Vitória trabalhista mostra opção majoritária pelo sistema, ao contrário da França

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A previsível e acachapante vitória do Partido Trabalhista nas eleições parlamentares antecipadas pelo premiê Rishi Sunak mostram uma opção conservadora do eleitorado, sem trocadilho com o partido que agora deixará o poder.

Os britânicos optaram pela força de oposição mais tradicional, no sistema usualmente bipartidário do país que fundou o conceito de democracia vigente no Ocidente. A alternância entre esquerda e direita marca o reino desde o início do século 20, mas impressiona a magnitude da vitória prevista na boca de urna (410 cadeiras aos trabalhistas e 131 aos conservadores).

Cachorro em coleira, junto àss pernas do dono, ao lado de um sinal indicando "seção eleitoral" em inglês, com uma seta
Britânico com seu cachorro ao lado de sinal indicando seção eleitoral em Hackney, leste de Londres - Paul Ellis/AFP

É um cenário bastante diverso daquele da França, país que divide com o Reino Unido o segundo lugar em quase tudo na Europa, como população e economia, atrás da Alemanha. No domingo (7), os franceses irão votar no segundo turno de outra eleição convocada por um líder rejeitado por 70% da população, no caso o presidente Emmanuel Macron.

Do outro lado do canal da Mancha, a ultradireita domesticada de Marine Le Pen vai consolidar a vitória no pleito em segundo turno. Chegará perto, dizem as pesquisas, mas não terá maioria para formar sozinha um governo de coabitação com a Presidência do centrista Macron.

A fórmula tende a resultar em instabilidade política perene para o restante do mandato do presidente, que acaba sua derradeira passagem pelo poder em 2027. Melhor para Le Pen, de olho na cadeira de Macron, que poderá culpá-lo pela bagunça.

Os franceses estão em outra etapa, mais em consonância com as tendências continentais, vide a ascensão do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e afins. Macron já havia sido uma rejeição à esquerda tradicional socialista e a direita gaullista do país, e deu com os burros n'água.

Não foi o que ocorreu no Reino Unido. Keir Starmer, o líder trabalhista batizado em homenagem ao fundador do partido, é uma escolha convencional após 14 anos de desgoverno dos tories, como os conservadores também são chamados. Assim como Le Pen, ele deixou os arroubos de seu campo ideológico e moveu-se ao centro, algo de resto que já havia sido feito pela sigla nos anos de Tony Blair no poder (1997-2007).

Segundo um dos ideólogos da sigla, o colunista Will Hutton, ele é um político aplicado, capaz de surpreender positivamente. Em termos de imagem, diz, é uma figura algo apagada. Depois do estrago dos anos róseos de exuberante Blair, que legaram ao fim a longa era conservadora, pode ser uma boa notícia para os trabalhistas.

Isso dito, o desmonte do Partido Conservador insinuado pela pior votação de sua história traz consigo o surgimento do Reform, a sigla do ultradireitista Nigel Farage, uma figura folclórica se não fosse perigosa. Xenófobo, ele surfou nos temas comuns que as eleições britânica e francesa colocaram em evidência, como imigração e aumento do custo de vida.

Não se concretizaram na boca de urna, contudo, os temores de um empate ou mesmo ultrapassagem dos conservadores pelos radicais. Ocupando o usual papel de terceira força ficou o Partido Liberal Democrático, de credenciais respeitáveis, que segundo as projeções terá 61 cadeiras, ante meras 13 da sigla de Farage.

Com isso, cristaliza-se uma opção diferente pela mudança, em comparação com a França. Os problemas comuns seguem em campo, o que já era verdade em 2016, quando o brexit promovido pelos conservadores tentou dar uma resposta a essa demanda —com um impacto desolador, mas tão profundo que mesmo Starmer não cogita revertê-lo mais.

Nota de rodapé é o papel patético de Sunak, tão rejeitado quanto Macron, mas sem mandato para se proteger pessoalmente agora. A imolação dos conservadores foi um processo lento, de anos, mas o primeiro-ministro esmerou-se em errar nas jogadas.

Os próximos capítulos do enredo serão determinados pela volta ou não de Donald Trump, o santo padroeiro da turma da ultradireita, ao poder nos Estados Unidos. Starmer tem tudo para ser um polo de confronto com o republicano, criando uma dinâmica nova recheada de implicações diversas, a começar pelo apoio ocidental à Ucrânia contra a Rússia.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.