A previsível e acachapante vitória do Partido Trabalhista nas eleições parlamentares antecipadas pelo premiê Rishi Sunak mostram uma opção conservadora do eleitorado, sem trocadilho com o partido que agora deixará o poder.
Os britânicos optaram pela força de oposição mais tradicional, no sistema usualmente bipartidário do país que fundou o conceito de democracia vigente no Ocidente. A alternância entre esquerda e direita marca o reino desde o início do século 20, mas impressiona a magnitude da vitória prevista na boca de urna (410 cadeiras aos trabalhistas e 131 aos conservadores).
É um cenário bastante diverso daquele da França, país que divide com o Reino Unido o segundo lugar em quase tudo na Europa, como população e economia, atrás da Alemanha. No domingo (7), os franceses irão votar no segundo turno de outra eleição convocada por um líder rejeitado por 70% da população, no caso o presidente Emmanuel Macron.
Do outro lado do canal da Mancha, a ultradireita domesticada de Marine Le Pen vai consolidar a vitória no pleito em segundo turno. Chegará perto, dizem as pesquisas, mas não terá maioria para formar sozinha um governo de coabitação com a Presidência do centrista Macron.
A fórmula tende a resultar em instabilidade política perene para o restante do mandato do presidente, que acaba sua derradeira passagem pelo poder em 2027. Melhor para Le Pen, de olho na cadeira de Macron, que poderá culpá-lo pela bagunça.
Os franceses estão em outra etapa, mais em consonância com as tendências continentais, vide a ascensão do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e afins. Macron já havia sido uma rejeição à esquerda tradicional socialista e a direita gaullista do país, e deu com os burros n'água.
Não foi o que ocorreu no Reino Unido. Keir Starmer, o líder trabalhista batizado em homenagem ao fundador do partido, é uma escolha convencional após 14 anos de desgoverno dos tories, como os conservadores também são chamados. Assim como Le Pen, ele deixou os arroubos de seu campo ideológico e moveu-se ao centro, algo de resto que já havia sido feito pela sigla nos anos de Tony Blair no poder (1997-2007).
Segundo um dos ideólogos da sigla, o colunista Will Hutton, ele é um político aplicado, capaz de surpreender positivamente. Em termos de imagem, diz, é uma figura algo apagada. Depois do estrago dos anos róseos de exuberante Blair, que legaram ao fim a longa era conservadora, pode ser uma boa notícia para os trabalhistas.
Isso dito, o desmonte do Partido Conservador insinuado pela pior votação de sua história traz consigo o surgimento do Reform, a sigla do ultradireitista Nigel Farage, uma figura folclórica se não fosse perigosa. Xenófobo, ele surfou nos temas comuns que as eleições britânica e francesa colocaram em evidência, como imigração e aumento do custo de vida.
Não se concretizaram na boca de urna, contudo, os temores de um empate ou mesmo ultrapassagem dos conservadores pelos radicais. Ocupando o usual papel de terceira força ficou o Partido Liberal Democrático, de credenciais respeitáveis, que segundo as projeções terá 61 cadeiras, ante meras 13 da sigla de Farage.
Com isso, cristaliza-se uma opção diferente pela mudança, em comparação com a França. Os problemas comuns seguem em campo, o que já era verdade em 2016, quando o brexit promovido pelos conservadores tentou dar uma resposta a essa demanda —com um impacto desolador, mas tão profundo que mesmo Starmer não cogita revertê-lo mais.
Nota de rodapé é o papel patético de Sunak, tão rejeitado quanto Macron, mas sem mandato para se proteger pessoalmente agora. A imolação dos conservadores foi um processo lento, de anos, mas o primeiro-ministro esmerou-se em errar nas jogadas.
Os próximos capítulos do enredo serão determinados pela volta ou não de Donald Trump, o santo padroeiro da turma da ultradireita, ao poder nos Estados Unidos. Starmer tem tudo para ser um polo de confronto com o republicano, criando uma dinâmica nova recheada de implicações diversas, a começar pelo apoio ocidental à Ucrânia contra a Rússia.
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