Descrição de chapéu The New York Times

Namíbia planeja matar elefantes para tirar população da fome

País africano que enfrenta seca extrema pretende abater 83 exemplares da espécie, além de centenas de outros animais

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Amelia Nierenberg
The New York Times

A Namíbia, no sul da África, está planejando abater centenas de seus animais mais majestosos para alimentar parte dos 1,4 milhão de pessoas —quase metade do país— que estão em uma crise de fome em meio à pior seca do último século.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, Florestas e Turismo, o plano inclui matar 723 animais selvagens, incluindo 83 elefantes, para alimentar as pessoas. No comunicado, as autoridades afirmam que a ação é "necessária" e "está de acordo com nosso mandato constitucional, em que nossos recursos naturais são usados para o benefício dos cidadãos da Namíbia".

A imagem mostra dois elefantes africanos em um ambiente natural. Eles estão se encarando, com as orelhas grandes e trombas visíveis. O fundo é uma paisagem de savana, com grama seca e um céu nublado ao fundo
Elefantes no Parque Nacional Etosha, ao norte da Namíbia - Evelyn Hockstein - 13.jul.08/NYT

Essa estratégia não é inédita. "A coleta sustentável e bem gerenciada de populações saudáveis de animais selvagens pode ser uma fonte preciosa de alimentos para as comunidades", escreveu Rose Mwebaza, diretora do Escritório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na África.

Grande parte do sul da África está sendo afetada pela seca. Mais de 30 milhões de pessoas em toda a região foram afetadas, informou o Programa Mundial de Alimentos da ONU em junho.

As secas são comuns no sul da África, e a região passou por várias na última década, inclusive de 2018 a 2021, disse Benjamin Suarato, porta-voz da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional. Mas esta foi especialmente devastadora e generalizada em toda a região, disse Juliane Zeidler, diretora nacional do World Wildlife Fund na Namíbia: "não há comida para as pessoas e não há comida para os animais".

Isso se deve, em grande parte, ao El Niño, um padrão climático que ocorre naturalmente e que é frequentemente associado a um clima mais quente e seco em algumas partes do mundo. Ele voltou no ano passado e "levou a uma seca recorde, com algumas partes da região recebendo menos da metade da precipitação anual", disse Suarato.

À medida que a seca acaba com colheitas básicas e mata o gado na região, a Namíbia busca alimento em seus animais selvagens. Além dos elefantes, o país também planeja abater 300 zebras, 30 hipopótamos, 50 impalas, 60 búfalos, 100 gnus azuis e 100 elands —uma espécie de antílope.

Os animais não estão sendo abatidos apenas para consumo de carne. A Namíbia também tenta minimizar os encontros perigosos com humanos que, segundo o país, devem aumentar durante a seca, pois os animais e os humanos procuram água e vegetação. Embora os elefantes sejam herbívoros, eles podem ser mortais. Eles mataram pelo menos 50 pessoas no Zimbábue no ano passado, segundo a Reuters.

Normalmente, os animais migram em casos de seca severa, disse Zeidler. "Mas à medida que a seca se torna nacional, há pouco espaço para onde migrar". A situação é terrível. Na semana passada, um porta-voz das Nações Unidas disse que 84% dos recursos alimentares da Namíbia "já estavam esgotados". E esta também é uma época do ano particularmente difícil.

A agência de ajuda dos EUA, que anunciou um adicional de US$ 4,9 milhões em assistência humanitária no mês passado, disse que de julho a setembro é o período "quando os alimentos são mais escassos".

O fato de a Namíbia recorrer à caça selvagem não é novidade. As pessoas da região comem pelo menos alguns dos animais listados na lista de abate do Ministério do Meio Ambiente, como zebra, gnu azul e impala, de acordo com um relatório recente do governo sobre o setor de carne de caça do país.

Comer carne de animais selvagens é comum em todo o mundo, disse Mwebaza, acrescentando que o consumo sustentável desse tipo de carne é permitido pela Convenção sobre Diversidade Biológica.

"Desde que a coleta desses animais seja feita usando métodos cientificamente comprovados e sustentáveis que considerem o bem-estar animal e estejam de acordo com os compromissos e a legislação nacionais e internacionais, não deve haver motivo para preocupação", escreveu Mwebaza.

A imagem mostra um grupo de elefantes em uma área de savana. Um elefante adulto está em pé, enquanto dois filhotes caminham próximos a ele. Ao fundo, algumas girafas podem ser vistas entre a vegetação. No chão, há um elefante deitado, aparentemente sem vida. A vegetação é escassa, com arbustos e árvores secas ao redor
Grupo de elefantes e girafas caminha perto da carcaça de um elefante dentro do Parque Nacional de Hwange, no Zimbábue - Philimon Bulawayo - 23.out.19/Reuters

Pelo menos 157 animais já foram mortos, e o ministério disse que suas carcaças renderam cerca de 63 toneladas de carne. As autoridades namibianas afirmam que também esperam mitigar o efeito da seca sobre a vida selvagem, dizendo que a caça se concentraria em locais onde os animais estão sobrecarregando os recursos hídricos e de pastagem.

Os elefantes, que podem ter mais de 3 metros de altura e pesar mais de 4.000 kg, consomem uma quantidade especialmente grande desses recursos. Eles podem comer, em média, cerca de 90 kg de vegetação por dia, disse Zeidler.

A seca extrema matou pelo menos 160 elefantes no maior parque nacional do Zimbábue em janeiro e 300 elefantes em Botsuana no ano passado, segundo a Reuters. A WWF Namíbia está trabalhando para arrecadar fundos para levar água aos elefantes e outras espécies em vários parques nacionais.

Uma grande reserva de conservação na Namíbia e em outros quatro países do sul da África inclui a maior população do mundo de elefantes da savana africana, que estão em perigo de extinção e cuja população caiu mais da metade nas últimas três gerações. Porém, nos últimos anos, a população de elefantes nessa reserva estava praticamente estável, com mais de 227.000 elefantes, de acordo com uma pesquisa de 2022.

Agora, com a seca severa, essas populações estão ameaçadas e, às vezes, se aproximando das civilizações humanas. "Às vezes, você se torna vítima de seu próprio sucesso", disse Zeidler. "Em anos e situações difíceis, é um pouco mais difícil lidar com esses conflitos entre humanos e animais selvagens."

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