Descrição de chapéu

Karina Kufa: Novas regras não resolvem crise partidária 

Criação da cláusula de desempenho não foi guiada pelo desejo de melhorar o sistema, mas sim pela disputa por recursos públicos 

Karina Kufa

Com a intenção de diminuir o número de partidos no país —hoje temos 35 agremiações registradas e 73 em formação—, o Congresso aprovou  no ano passado a instituição de uma cláusula de desempenho.

A nova regra veda o repasse de recursos públicos e o acesso à propaganda no rádio e na TV a partidos que não atingirem um patamar mínimo de votos nacionais para deputado federal. A medida será implantada gradualmente, a partir do pleito deste, quando a marca será de 1,5% dos votos válidos em nove Estados. O valor chegará a 3% em 2030.

Plenário da Câmara dos Deputados durante votação do texto base da reforma política
Plenário da Câmara dos Deputados durante votação do texto base da reforma política - Folhapress

A ideia não é má; de fato, não podemos ter tantos partidos sem que representem fatias da sociedade e tragam retorno ao sistema democrático, ainda mais levando em conta que todos têm acesso a recursos públicos. 

Como sabemos, há siglas com menos filiados que um clube de bairro, que não apresentam atividades em prol da sociedade, não elegem candidatos e possuem gastos suspeitos e reprovados pela Justiça Eleitoral. 


O maior problema, a meu ver, não é o número, mas a qualidade.

Creio que o formato adotado pelo Brasil não resolverá esse pontual problema. Na verdade, a criação da regra parece ter sido guiada não pelo desejo de melhorar o sistema, mas sim pela disputa por verbas públicas. 

Exemplo disso é a norma exigir para superar a barreira somente a eleição de deputados federais, deixando outros cargos em segundo plano. 

Fosse a cláusula voltada a aperfeiçoar nosso sistema representativo, outro critério poderia ser adotado, no qual as eleições estaduais e municipais mostrassem relevância.

Como a eleição de deputados federais se tornará vital para os partidos, a regra não estimulará o investimento em novas candidaturas para a Câmara, uma vez que os atuais mandatários têm maiores chances de vencer uma disputa, seja pela estrutura política de que dispõem, seja pela visibilidade inerente ao cargo que ocupam.

A tão sonhada renovação, portanto, será quase inexistente.

Aliás, há uma outra incoerência —e até inconstitucionalidade— na reforma política aprovada.

Neste ano, a distribuição da maior parte do fundo público para financiar campanhas entre os partidos terá por base as bancadas da Câmara e do Senado em 28 de agosto de 2017. Como aprovar uma lei já sabendo quem será beneficiado? 

Teríamos um critério mais imparcial e objetivo se a regra fosse definida em relação à última eleição ou tivesse como base a data final da janela para troca de partido (7 de abril de 2018) —assim, as legendas teriam a chance igualitária de buscar deputados e senadores para se preparar para a disputa vindoura.

Somadas todas as incoerências desse modelo adotado, podemos vislumbrar que os partidos já consolidados continuarão a receber grandes fatias de recursos públicos, enquanto os pequenos e novos pouca oportunidade terão de crescimento, sem qualquer critério qualitativo. 

O modelo ideal seria uma cláusula de desempenho com critérios razoáveis, a medir a atividade partidária a partir das eleições nas três esferas, em respeito ao pacto federativo. 

Partidos que não atingissem o patamar fixado ficariam em posição inferior, sendo extintos caso não apresentassem requisitos mínimos em determinado período. 

Isso faria com que as agremiações tivessem um interesse maior em mostrar resultados, o que viabilizaria um Congresso mais representativo e alternante.
 

KARINA KUFA, advogada, é professora coordenadora da especialização em direito eleitoral da Faculdade de Direito do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) de São Paulo

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.