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Ricardo de Menezes Barboza e João Marco Cunha: Brasil, inimigo dos negócios?

Enquanto outros países transformaram a crise em oportunidade para turbinarem as suas economias, o Brasil esqueceu-se de fazer a revisão do motor.

Escritório de co-working inaugurado pelo Bradesco para start-ups em Barueri
Escritório de co-working inaugurado pelo Bradesco para start-ups em Barueri - Rafael Roncato - 24.jan.18/Folhapress

Um clichê bastante batido diz que os chineses possuem um único ideograma para representar as palavras crise e oportunidade. Ainda que essa interpretação do ideograma seja bastante controversa, é inconteste que crises costumam exigir medidas extremas e deixam pouca margem para procrastinação, tornando o pós-crise quase sempre mais próspero do que a situação original.

A Europa vivenciou uma grave crise entre 2011 e 2013. Vários países da região experimentaram o amargo sabor da recessão e do desemprego, especialmente Grécia, Espanha, Portugal e Itália. Durante a crise, o PIB da Grécia contraiu 18%, e o desemprego alcançou 27%. Na Espanha, o PIB caiu 6% e o desemprego foi a 26%. Portugal e Itália viveram dramas sociais bastante parecidos.

Corroborando o clichê, esses países aproveitaram a crise (ou a oportunidade) para fazer ajustes. Como não tinham a opção de implementar políticas como redução de juros e desvalorização do câmbio, dado que pertenciam à zona do euro, foram obrigados a adotar outros tipos de medida.

Apesar das idiossincrasias de cada país, é possível identificar padrões. A maior parte implementou reformas da previdência e melhorou os respectivos ambientes de negócios, através de reformas tributárias e das leis trabalhistas. Além disso, aprimoraram regulações e desburocratizaram processos.

O resultado dessas reformas pode ser observado através da pesquisa "Doing Business", feita pelo Banco Mundial, que mede a facilidade de se fazer negócios em quase duas centenas de países. Entre 2010 e 2015, a Grécia passou da 109ª para a 61ª posição no ranking da pesquisa. A Espanha passou de 62ª para 33º, Portugal de 48ª para 29ª, e a Itália de 78ª para 56ª.

Infelizmente, as aves que aqui gorjeiam não gorjearam como as de lá. Depois da segunda recessão mais longa de sua história, entre 2014 e 2016, que contraiu o PIB em cerca de 8% e elevou o desemprego até cerca de 14%, o Brasil quase não melhorou a vida de quem busca empreender no país.

Em 2013, o Brasil ocupava a 130ª posição do ranking do "Doing Business". Cinco anos depois, conseguimos caminhar tão somente para a 125ª posição, permanecendo atrás de países como Gana, Uganda e Papua Nova Guiné. Avançamos apenas 5 posições, contra quase 30, em média, daqueles quatro países europeus.

Em determinados quesitos, a realidade brasileira piorou para quem faz negócios (leia-se, gera emprego e renda) no país. No item "Abertura de Empresas", o Brasil caiu da 121ª para a 176ª posição entre 2013 e 2018. No item "Pagamento de Impostos", caiu do 156º para o 184º lugar, entre os piores do planeta.

O fato é que a resposta do Brasil à crise foi escassa e tardia.  A única reforma de impacto no ambiente de negócio aprovada até o momento, a trabalhista, entrou em vigor no fim de 2017 e ainda não gerou efeitos na pesquisa de 2018.

O Cadastro Positivo, capaz de melhorar o mercado de crédito do país, ainda aguarda a aprovação do Congresso. A nova Lei de Recuperação Judicial e Falências segue em compasso de espera. No quesito tributário e regulatório, houve poucos avanços. Do lado fiscal, a regra do teto depende de uma reforma da Previdência que, com sorte, sairá do papel apenas em 2019.

Em resumo, enquanto outros países transformaram a crise em oportunidade para turbinarem as suas economias, o Brasil esqueceu-se de fazer a revisão do motor. Ainda que alguns avanços possam ser notados, é preciso ir muito além para recuperar o tempo perdido. Por enquanto, o Brasil segue se apresentando como um baita inimigo dos negócios. É clichê e é lamentável.

Ricardo de Menezes Barboza

É mestre em macroeconomia pela PUC-RJ, professor colaborador do Instituto Coppead ( Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração) e economista do Grupo de Conjuntura Econômica da UFRJ

João Marco Cunha

É doutor em engenharia elétrica pela PUC-RJ e mestre em economia pela FGV

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