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Francisco Daudt: Drama e culpa, armas de manipular

O discurso de Lula me fez lembrar Hitler; criticá-lo seria crime de lesa-pátria, pois ele já não era mais um homem, 'era uma ideia'


Yuval Harari, em seu "Homo Deus", diz que, "no passado, a censura funcionava bloqueando o fluxo de informação". "No século 21, ela o faz inundando as pessoas de informação irrelevante. Passamos o tempo debatendo questões secundárias."

Pois me parece muito relevante entender como nossas mentes podem ser manipuladas, nossa capacidade de raciocinar turvada, nossa boa fé ludibriada. Tanto quanto saber detectar vigaristas que usam esses expedientes, para nos defender deles: a democracia precisa do voto consciente.

E meu trabalho de psicanalista é tornar a consciência cada vez mais aguda, em mim mesmo, no consultório ou onde me deem voz. Creio que essa questão não tem nada de secundária.

Dois dos expedientes mais eficazes de manipulação de mentes são fazer drama e criar sentimento de culpa em nós.

Essa manobra não podia nos ser mais familiar, e digo "familiar" stricto sensu, já que muitas mães usaram e abusaram disso para nos conduzir, digamos assim, sempre com a melhor das intenções, claro.

Não é de surpreender que políticos populistas tenham importado o truque para a condução das massas, transformando-as em rebanhos dóceis. Isso me ficou gritantemente claro ao assistir à série "Hitler, o círculo do mal", da Netflix.

Como isso aconteceu no mesmo dia em que vi o Lula discursando antes de ser preso, as semelhanças me assombraram. Senão, vejamos: a atitude messiânica do "Führer" ao discursar, cuidadosamente ensaiada frente ao espelho para transmitir a maior dose de drama possível, aliava-se à estratégia arquitetada pelo gênio da propaganda manipulativa, Joseph Goebbels.

E a culpa tem dois lados: o do algoz (o culpado) e o da vítima. Hitler se identificava —e identificava seus correligionários— como vítima, e clamava por vingança contra seus algozes. Na dinâmica do sentimento de culpa, a vítima está automaticamente absolvida, não tem culpa de nada, é um perseguido. E mais, está ungida de uma espécie de nobreza, a nobreza do mártir, aquela que transforma a vítima num santo. Esse é o poder do vitimismo.

Com essas ferramentas de poder, Hitler se elegeu democraticamente na Alemanha. Tomado o poder, aparelhou com nazistas todas as instituições, inclusive o Judiciário, até conseguir o poder absoluto. O resto é história.

 

Francisco Daudt

Psicanalista e médico, é autor de "Onde Foi Que Eu Acertei?", entre outros livros; foi colunista da Folha de 2011 a 2017

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