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Jorge Zaverucha: Instituições coercitivas e democracia  

A maneira como a polícia funciona é um dos indicadores da (falta de) saúde democrática no Brasil

Como prover segurança pública é uma decisão de cunho político, pois visa distribuir recursos públicos escassos para aquilo que o grupo a controlar o aparelho de Estado julgue mais importante, é impossível esperar que a polícia seja reformada de acordo com os princípios democráticos caso o sistema político não se mova na mesma direção.

Corrupção, patrimonialismo, tráfico de drogas, violação de direitos civis, dentre outros, conspiram contra uma ordem democrática. Polícias são instituições que contribuem, como ninguém, para revelar a natureza socio-política do país.

Por isso, a maneira como a polícia funciona é um dos indicadores da (falta de) saúde da democracia no país. Assim sendo, não se deve estudar polícia como sendo um assunto meramente técnico, destituído de conteúdo ideológico.

Pelo contrário, a polícia é, repita-se, uma instituição fortemente política. O bem coletivo que ela oferta, segurança, nem sempre é desejado igualmente pelas diversas forças sociais, pela cúpula do poder político e pela própria polícia. E mais, a conjuntura política em que a polícia atua reflete, sobremaneira, no modo como este bem público é ofertado.

Caso o Estado não consiga garantir o mais elementar direito político, que é o direito à vida, a democracia irá, paulatinamente, perder sua legitimidade, tornando-se oca, ou seja, destituída de consistência.

A ideia dos contratualistas, através do pacto social, foi a de que cada indivíduo abdicasse de parte de sua liberdade em prol de um contrato coletivo cuja finalidade maior era de garantir a todos os pactuantes o direito à vida.

Inclusive, a Carta de Direitos da Revolução Francesa preconizou o direito à liberdade, à propriedade e à segurança. Portanto, uma crise de segurança, que não é de hoje, experimentada pelo Rio de Janeiro, significa uma séria vulnerabilidade democrática. 

É inacreditável, mas só agora surgiu o Ministério da Segurança Pública. Nasce após o presidente da República ter decretado uma inédita intervenção federal no Rio por meio de um interventor militar.

Este, por sinal, foi pego de surpresa, sem esquecer de já estar em vigor uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Estas ações de polícia ostensiva são executadas pelo Exército.

Movimentar milhares de militares, por dez meses, demanda enorme soma de recursos. De onde virão? Como fica a política de controle de gastos do governo federal? A reforma da Previdência não serviria para isso?

O governo ainda não revelou à sociedade a contabilidade detalhada das operações anteriores de GLO. Desta vez haverá prestação de contas? E os parlamentares fiscalizarão o esperado uso eficaz e eficiente desses gastos? Ou continuarão inertes?

O governo já poderia ter optado por medidas que fortalecessem as polícias. O ministro da Justiça, no fim de outubro de 2017, disse que “comandantes de batalhão [no Rio] são sócios do crime organizado”. Este, por sua vez, ajuda a financiar o “caixa dois” de campanhas eleitorais. Quais providências foram tomadas pelo governo? Lembrando a existência de um Plano Nacional de Segurança Pública que, praticamente, não saiu do papel.

Diante da inércia governamental, acentua-se a militarização da segurança pública. Adotam-se modelos militares, conceitos, doutrinas, procedimentos e pessoal em atividades de natureza civil. O interventor militar, o chefe do Gabinete de Intervenção Federal e o secretário de Segurança Pública do Rio são generais da ativa. O ministro da Defesa é, pela primeira vez, um general da reserva. Comandam a Secretaria Nacional de Segurança Pública um general e um almirante da reserva. 

Ao que tudo indica, a democracia eleitoral brasileira, cuja qualidade é insípida, não consegue se sustentar, paradoxalmente, sem a muleta verde-amarela. Quem diria.

Jorge Zaverucha

Doutor em ciência política pela Universidade de Chicago e professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco

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