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Christian Edward Cyril Lynch: A 'revolução judiciarista' e as linhagens do pensamento brasileiro

Sem querer decepcionar o colunista Reinaldo Azevedo, contento-me em descrever o campo ideológico; não tenho interesse em convencer ninguém a tomar partido

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O ministro do STF Luis Roberto Barroso, a quem Christian Lynch coloca entre juristas adeptos do "judiciarismo"
O ministro do STF Luis Roberto Barroso, a quem Christian Lynch coloca entre juristas adeptos do "judiciarismo" - Zanone Freissat - 26.jun.17/Folhapress

Na sexta-feira passada (4), em coluna nesta Folha, o jornalista Reinaldo Azevedo me honrou pela segunda vez, fazendo referências ao trabalho que venho desenvolvendo para compreender ideologicamente a nossa "revolução judiciarista".

Da primeira vez que o fez, em fevereiro do ano passado, então em seu blog na Veja, referiu-se a mim como "esquerdista que sonha com a revolução".

Desta vez, fui retratado, de modo não menos amável, como o "hagiógrafo" do ministro do STF Luís Roberto Barroso; "intelectual orgânico" por ele designado que faria parte do "núcleo de poder" da Faculdade de Direito da Uerj, onde ele leciona.

Agradeço ao Reinaldo, que, com suas gentilezas, não apenas tornou meu nome mais conhecido em São Paulo como me deu a oportunidade de escrever este que é o meu primeiro artigo na Folha, a título de direito de resposta. Obrigado, obrigado.

Quero só fazer uns reparos. Reinaldo ignorou minhas reiteradas reservas ao atual "judiciarismo", devido às suas afinidades com o absolutismo ilustrado.

Equivocou-se também ao me apresentar como colega de faculdade do ministro Barroso: na verdade, trabalho a sete quilômetros de distância, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp-Uerj).

O articulista escorregou de novo ao me presumir íntimo de Sua Excelência. Tive o prazer de lhe dirigir a palavra uma única vez, quando ele ainda era advogado, há mais de dez anos, em um seminário em Teresópolis.

Tampouco foi nessa ocasião que tramamos o tal plano infalível que, segundo o Reinaldo, faria dos professores da Uerj os senhores da República. Falamos somente de música popular e, depois do jantar, cantarolamos, na companhia de colegas, serestas como "Acorda Patativa", "O Peixe Vivo" etc.

Sempre que vejo Sua Excelência rendendo pela televisão suas homenagens ao ministro Gilmar Mendes, lembro-me daquela noite tão simpática. Quando ele recorre a expressões como "mal secreto" e "a raiva é filha do medo e mãe da covardia", de Macalé e Chico Buarque, vejo que o melômano inveterado resiste sob a capa do ministro.

O Reinaldo também me acusa de "hagiógrafo" do ministro Barroso, porque o incluo numa velha linhagem de juristas liberais, como Rui Barbosa (1849-1923), Pedro Lessa (1859-1921) e Raymundo Faoro (1925-2003), que no passado também apostaram no "judiciarismo" para combater, em nome do ideal republicano, regimes por eles percebidos como oligárquicos e corrompidos.

Daí o colunista deduziu que eu estivesse a fazer a apologia daquele de quem fui, numa distante noite da década passada, companheiro de seresta.

Ora, como historiador do direito e da política, tenho por dever estudar imparcialmente o modo por que juristas, políticos e intelectuais veem o mundo e justificam suas ações. Esse procedimento pode e deve ser estendido a atores de outras tendências.

Pode-se aqui tomar como exemplo o caso do ministro Gilmar Mendes, com quem Reinaldo revela mais afinidade. Ao privilegiar realísticos argumentos da "razão de Estado" para absolver o presidente Temer no julgamento do TSE, Sua Excelência revelou seus vínculos com outra linhagem do pensamento brasileiro: a conservadora, orientada acima de tudo pela defesa da autoridade contra a anarquia.

Essa tradição também conta com nomes ilustres: Epitácio Pessoa (1865-1942), Carlos Maximiliano (1873-1960), Miguel Reale (1910-2006) —todos eles críticos intransigentes do judiciarismo liberal, tanto quanto o próprio Reinaldo.

No mais, e sem querer decepcionar nosso colunista, contento-me em descrever o campo ideológico. Não tenho interesse em convencer ninguém a tomar partido.

Do que o público anda carecendo não é de quem ponha mais lenha na fogueira, mas de gente menos contaminada, que o ajude a entender o que está acontecendo. Esta é a modesta contribuição que eu pretendo dar com meu trabalho.

Christian Edward Cyril Lynch

Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é autor de ‘Da Monarquia à Oligarquia: História Institucional e Pensamento Político Brasileiro (1822-1930)’ (ed. Alameda), entre outros livros

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