No dia 19 de dezembro de 2018, o ministro do STF Marco Aurélio determinou a votação aberta para eleição do presidente do Senado Federal, o que suscitou um grande debate, tendo em vista que a liminar atinge diretamente Renan Calheiros. Muitos argumentos a respeito da constitucionalidade ou não da medida partem de todos os lados.
Perpassando a esfera jurídica, há questões que consideramos mais relevantes: a medida, do ponto de vista de uma análise consequencialista, pode ser algo concreto? E, do ponto de vista ético, é válida? Se a medida não é sustentada por uma teoria geral prática, nem por ponto de vista ético coerente, não existe nem sequer razão para tanto debate.
Vamos analisar: qual o objetivo principal de um senador?
Metodologicamente, adotaremos a premissa da teoria da escolha pública, de que estão ali com o único propósito de maximizar sua própria renda e a dos grupos de interesse aos quais servem. Todavia, um político não pode fazer isso a menos que consiga o apoio de colegas para passar projetos e o apoio das burocracias para que possa implantá-los de forma rápida e “eficiente” (pelo menos em termos de maximização de sua renda).
Sendo as eleições fechadas, existe uma assimetria de informação entre o eleitor e seu representante no Senado, pois o eleitor não tem como ter a informação acerca do candidato no qual seu representante votou. Assim, o custo marginal da captura do presidente do Senado é somente o custo de seu voto em um cenário de eleições fechadas. Como o seu custo é reduzido nesse cenário, o senador estaria mais propenso a trocar seu voto pelos benefícios marginais que o presidente do Senado poderia lhe dar.
Com o voto aberto, os custos marginais subiriam, pois o senador incorreria no risco de perder seu eleitor caso votasse de forma impopular. Assim, nesse cenário, os senadores estariam menos propensos a votarem apenas por razões de maximização de seu capital político por causa da elevação dos custos de tal ação pela vigilância dos eleitores. Esse é um dos muitos benefícios da abertura desse debate à opinião pública.
Muitos intelectuais trazem indagações à falta de transparência política. Norberto Bobbio denuncia o que chama de “poder oculto”, que seria um meio pelo qual se corrompe a democracia. Esse poder entre os véus do governo é um pilar dos regimes autocráticos, de negócios invisíveis, assembleias ocultas e “segredos de Estado”. A razão é notória: a falta de informação permite o livre exercício dos atos que, se descobertos, seriam condenados.
Esse medo da condenação traz à tona o que Immanuel Kant denominou de princípio da publicidade; de acordo com ele, “são injustas todas as ações que se referem ao direito de outros homens, cujas máximas não se harmonizem com a publicidade”. O raciocínio analisa a condição para a possibilidade de uma deliberação política. Podemos dizer que é injusta qualquer ação que é apenas possível em caráter oculto, pois, se pública, nem sequer existiria em primeiro lugar, devido à magnitude da oposição.
Qualquer ação, então, cuja máxima só se sustente por meio da “invisibilidade” não cumpre a exigência de universalidade da uma ação moralmente justa.
Portanto, tanto pela via consequencialista quanto pela ética, o voto secreto a parlamentares para qualquer tipo de deliberação é insustentável. Fere princípios de transparência da democracia e frequentemente alimenta o mecanismo de barganhas não republicanas escondidas dos olhos públicos. Abramos os olhos, então, de nossa sereníssima república.
O que o Senado tem a esconder?
Para qualquer deliberação, o voto secreto a parlamentares é insustentável
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