Descrição de chapéu
Lyane Cardoso

Deve ser garantida a gestantes a possibilidade de optar pela cesárea no SUS? Sim

Imposição de como deve ser o parto é uma política autoritária

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lyane Cardoso

A autonomia do paciente é um dos conceitos centrais na bioética, sendo fundamental para o exercício do direito humano à autodeterminação. Para tanto, qualquer nação que se proponha a se organizar como um Estado democrático de Direito deve ter como prioridade a defesa de tal princípio. 

E, para que seja possível a defesa da autonomia, é necessário que se garanta a independência do indivíduo, ou seja, que os cidadãos possam agir livres de coerção ou interferências semelhantes.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), na resolução 2.144/2016, considera que é ético o médico atender a vontade da gestante de realizar parto cesariano a pedido da paciente, também garantidas a autonomia do profissional e a segurança do binômio materno-fetal. 

Apesar dessa resolução, essa autonomia só tem sido respeitada em relação às gestantes da rede privada, enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) prossegue uma verdadeira imposição do parto vaginal, mesmo para as parturientes que se manifestam contrárias ao ato. 

O trabalho de parto é uma situação em que o protagonismo da paciente é essencial, uma vez que o período expulsivo necessita participação ativa por parte de uma parturiente bem informada e desejosa em parir. Como justificar a imposição dessa experiência a quem esteja bem informada e a recuse? 

Há vasta literatura médica indicativa de que, nos dias de hoje, as taxas de efeitos adversos e riscos envolvendo parto vaginal e cesariana a pedido se equivalem globalmente. Esses estudos internacionais constam das referências bibliográficas do projeto de lei 435/2019, que tramita na Assembleia Legislativa paulista.

Projeto de lei da deputada Janaina Paschoal (PSL-SP) quer garantir à gestante a opção pela césarea no SUS
Projeto de lei da deputada Janaina Paschoal (PSL-SP) quer garantir à gestante a opção pela césarea no SUS - Adobe Stock

É incontroverso que todo trabalho de parto está sujeito a riscos de complicações, mesmo os classificados como de baixo risco. Contudo não é divulgada a estatística oficial no estado de São Paulo de paralisia cerebral decorrente de falta de oxigenação fetal durante o trabalho de parto. 

Existem somente relatos pessoais dos profissionais que atuam no serviço de assistência domiciliar do SUS de que seja muito maior a incidência dessa sequela entre partos vaginais no Sistema Único de Saúde.

O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), recebeu, desde 2015, aproximadamente 70 denúncias relacionadas ao tema em questão, no estado, das quais 24 já deram origem a processos ético-profissionais, que tramitam sob sigilo legal.

Em muitos desses casos, desfechos adversos ocorreram pela demora em realizar a cesariana e pelas complicações da insistência em ultimar partos vaginais. Tais constatações, como conselheira do Cremesp, são congruentes com minha experiência como perita médica judicial no plano cível, em casos de possível erro assistencial durante o parto. 

Privar as gestantes carentes, aquelas que mais dependem do SUS, da escolha de sua via de parto, enquanto as com acesso à rede privada podem ter independência na escolha e, portanto, autonomia, fere justamente um dos princípios fundamentais do SUS: a equidade.

Como impor um parto vaginal se nem mesmo analgesia de parto a maioria dos hospitais públicos oferece? Impor a uma mulher como deve ser o parto de seu filho é uma política totalitária. 

Por todo o exposto, sou favorável ao PL 435/2019, que prevê o direito de optar pela via de parto, após ampla informação, às gestantes no SUS. E que essa conscientização venha durante o pré-natal, longe das dores do trabalho de parto, pois não existe autonomia sem informação.

Lyane Cardoso

Ginecologista e obstetra, perita médica federal e conselheira no Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.