A questão da redistribuição de renda entrou definitivamente na agenda do capitalismo. A afirmação pode parecer precipitada num momento em que políticos de direita com forte apoio popular chegam ao poder em vários países. Mas não é.
Na verdade, em que pese a orientação de tais governos —onde demandas sociais e ambientais nem sempre estão em primeiro plano—, a sociedade tende a valorizar cada vez mais um modo de vida inclusivo. O empresariado mais consciente de seu papel não é exceção.
Já passou o tempo em que se dizia que o bolo deveria crescer antes de ser dividido. Não apenas porque o bolo efetivamente cresceu, mas sobretudo porque os paradigmas de justiça social que norteiam as melhores políticas públicas demonstram que ele deve ser dividido enquanto cresce ainda mais.
A expansão da economia é vital para todos nós, mas, desvinculada de uma redistribuição da renda, seu benefício é limitado. Os empresários não devem, claro, abrir mão do lucro. Acumular capital para reinvestimento é fundamental para a engrenagem da economia continuar girando, em proveito de todos.
O desempenho corporativo, no entanto, deveria resultar em melhorias para a qualidade de vida da população e convivência mais amigável com o meio ambiente. O nosso desafio é encarar o lucro como vetor da redistribuição da riqueza que todos ajudamos a produzir.
Não devemos abordar esse objetivo de uma perspectiva ideológica. O termo “ideologia”, aliás, voltou a frequentar o noticiário numa acepção peculiar. Hoje, ideologia parece ser a convicção de quem pensa diferente daquele que se acha detentor do monopólio da razão.
A redistribuição de renda, porém, não tem a ver necessariamente com ideologia. Ela é defendida por economistas tão distantes entre si quanto André Lara Resende, que se autointitula um conservador ilustrado, e Thomas Picketty, mais à esquerda, que acaba de lançar “Capital e Ideologia”, obra ainda não traduzida.
A redistribuição da renda poderia ser advogada até com a ajuda do pragmatismo. Para começar, haveria um aumento substancial do consumo entre a população, que impactaria positivamente os lucros, que por sua vez atuariam mais intensamente como vetor da redistribuição da renda. Um verdadeiro círculo virtuoso.
Além disso, de que adianta uma pessoa ser rica, por exemplo, se ela não pode desfrutar de seu patrimônio tranquilamente, sem se sentir ameaçada pela falta de segurança decorrente, em grande parte, de uma má distribuição da renda?
Empresários conscientes têm se empenhado pessoalmente nessa mudança. Um bom exemplo é o bilionário americano Bill Gates, fundador da Microsoft, que dedicou boa parte da sua vida produtiva não a ganhar mais dinheiro, mas a viabilizar um tipo de sanitário capaz de mitigar a diarreia, que mata milhares de crianças nos países mais pobres da África.
O capitalismo é o melhor sistema já testado. Ou o menos pior, de acordo com o julgamento de cada um. Ainda assim, precisa ser renovado. Essa é uma demanda da sociedade. Quem souber ouvi-la sobreviverá.
A redistribuição de renda é relevante em qualquer quadrante. No Brasil, no entanto, onde a concentração da riqueza e a injustiça social se encontram, historicamente, nos mais elevados patamares do mundo, é mais do que relevante —ela é urgente.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.