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Aristóteles de Queiroz Camara e Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho

Reforma tributária: entre as partes e o todo

Será preciso grande coordenação para que seja harmônica por inteiro

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Aristóteles de Queiroz Camara

Sócio do escritório Serur Advogados

Luiz Fernando Bandeira de Mello Filho

Secretário-geral do Senado Federal e sócio do escritório Serur Advogados

O todo sem a parte não é o todo; a parte sem o todo não é parte. Ainda no século 17, Gregório de Matos falava sobre a relação entre partes que, juntas, constituem algo diferente do que suas existências isoladas. Esse poema clássico ajuda a compreender a reforma tributária em curso, em que a relação entre partes e o todo se vê em ao menos dois aspectos: o projeto recentemente apresentado pelo Poder Executivo para substituir o PIS e a Cofins por um tributo chamado de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) é apenas parte de uma reforma maior, o que exige sua compreensão diante do todo.

O segundo aspecto são os conflitos distributivos que naturalmente surgem ao se modificar o sistema tributário. Aqui, o conflito entre partes e o todo refere-se a como a carga tributária será distribuída entre os diversos setores da economia. A relação entre o todo e a parte, portanto, está no centro da discussão sobre a reforma tributária, o que leva às seguintes questões: qual sistema tributário se busca implantar? Em que medida os interesses conflitantes das partes podem ser atendidos sem que ele perca sua funcionalidade?

A proposta apresentada pelo governo busca reformar a tributação do consumo, iniciando-a pela instituição de uma contribuição não cumulativa, à alíquota de 12% e de base ampla, ou seja, aplicada uniformemente sobre bens e serviços. Como apresentado, a CBS deverá ser posteriormente harmonizada com um imposto sobre valor adicionado (IVA) que substitua diversos tributos cobrados pelos estados, pelos municípios e pelo DF, de forma a que a tributação sobre o consumo obedeça a uma única lógica: alíquota uniforme aplicável a bens e serviços, e não cumulatividade efetiva.

Além da tributação sobre o consumo, o governo pretende alterar o Imposto de Renda, possivelmente reduzindo a tributação sobre as empresas e concentrando-a sobre as pessoas físicas; tornar o IPI um imposto com a função de regular as externalidades de produtos como tabaco e álcool; e modificar o financiamento da Previdência Social, diminuindo o seu impacto sobre a folha de salários.

O governo optou por apresentar inicialmente uma proposta bem delimitada, cuidando apenas dos seus tributos e deixando aos demais entes federados a tarefa de conciliar seus interesses e harmonizar seus impostos ao novo modelo. Aguarda-se, ainda, a apresentação dos projetos que cuidarão da reforma dos demais tributos federais.

A maneira encontrada pelo governo federal para dar início à reforma tributária pode aumentar as chances de sua aprovação, já que a discussão será sobre a parte e não sobre o todo, compatível com as duas PECs já em trâmite no Congresso (PECs 45 e 110). Ela também reconhece o protagonismo que os demais entes federados devem exercer através do Congresso Nacional para encontrar o consenso necessário à modificação do sistema tributário. Ganha-se, com isso, em legitimidade, e mitigam-se as críticas de que a reforma tributária poderia ferir o pacto federativo brasileiro.

Por outro lado, uma reforma conduzida por partes torna-se mais complexa por duas razões: o desconhecimento do todo, isto é, de qual sistema tributário se pretende, ao final, ver implantado; e o incentivo a conflitos distributivos decorrentes de ações isoladas de partes que buscam resguardar seus próprios interesses.

Poder-se-ia, contudo, imaginar que esses problemas se resolveriam ao se conhecerem todas as partes da reforma tributária, quando, afinal, seria possível uma discussão mais qualificada. Entretanto, o risco é que o próprio debate de medidas parciais, como a instituição da CBS, condicione as próximas etapas da reforma tributária, perdendo-se, com essa discussão sobre partes isoladas, a capacidade de uma análise mais ampla.

A reforma tributária está sendo conduzida de uma maneira que exigirá grande coordenação para que suas diversas partes isoladas resultem em um todo harmônico e que cumpra os objetivos centrais de um sistema tributário: possibilitar o custeio do Estado por meio da repartição da carga fiscal de maneira justa e que seja capaz de promover o desenvolvimento econômico. Espera-se que as partes envolvidas estejam à altura dos desafios que o todo representa.

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