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Ana Paula Guimarães

O que esperar das eleições municipais

Mudanças parecem ir além da alteração de calendário e de protocolos sanitários

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Ana Paula Guimarães

Advogada e assessora no Gabinete da Superintendência-Geral do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)

No Brasil de 2020, em que tanto se discute sobre a construção de um “novo normal”, também o dever cívico-democrático de ir às urnas ganhou cara nova. Além da alteração do calendário eleitoral e dos novos procedimentos sanitários que deverão ser adotados nas seções de votação, mudanças na eleição são esperadas pela relevância que o debate sobre a autonomia dos municípios ganhou neste ano.

A autonomia dos entes federativos é prevista na Constituição de 1988 e, com relação aos municípios, representou uma significativa mudança no status que anteriormente detinham, reconhecidos como meros entes administrativos e não políticos. A postura do constituinte brasileiro foi novidade não só em nossa história, mas no cenário internacional, já que em nenhuma outra federação existe um sistema político-administrativo com três níveis de entes autônomos.

Como toda ideia nova, o modelo brasileiro ainda enfrenta situações que condicionam a autonomia ao posto de mera promessa constitucional: inúmeros municípios sequer conseguem arrecadar o suficiente para o pagamento de suas despesas de pessoal e prestação dos serviços públicos de sua competência; as competências tributárias foram dividas desigualmente pelo constituinte, em prejuízo aos entes menores; esses entes não participam da formação da vontade nacional, já que não têm assento no Congresso; do mesmo modo, não podem questionar no Supremo a constitucionalidade de leis e atos normativos.

Sem deixar de reconhecer os percalços que dificultam uma atuação autônoma dos municípios, o ano de 2020 parece ensaiar alguns passos no sentido de trazer para a realidade a promessa constitucional. A crise multidimensional causada pelo coronavírus —de ordem sanitária, econômica, política etc.— é o melhor exemplo. A pandemia foi estopim para a decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 6.341) que assegurou aos municípios a possibilidade de, sozinhos, imporem medidas normativas e administrativas de enfretamento à doença, sem guardar obediência com as ordens emanadas de estados e da União.

Certamente que a motivação da corte para essa decisão não se fundou apenas na previsão de autonomia, mas sobretudo no fato de que a atuação de gestores locais parecia mais protetiva à saúde pública e adequada às realidades locais. As consequências, no entanto, foram mais amplas ao levar aos olhos da população o importante papel que os entes municipais podem desempenhar na proteção de interesses da população local.

Os municípios ganharam posição de destaque na gestão da crise de saúde: criaram protocolos de isolamento e reabertura; construíram hospitais de campanha; fiscalizaram o cumprimento das normas de proteção sanitária; buscaram alternativa ao ensino público presencial. É claro que a face oposta também foi colocada sob holofotes: ao ganharem mais autonomia, alguns municípios se revelaram inaptos a gerirem as funções que lhe cabiam ou o fizeram de forma ímproba e/ou fraudulenta.

Em um ou em outro caso, o cenário colocado desperta no eleitor maior cautela, interesse e atenção na hora de escolher os representantes do Executivo e do Legislativo locais. Se é verdade o ditado de que “grandes poderes vêm com grandes responsabilidades”, o dever de escolher prefeitos e vereadores coloca sobre as costas do cidadão uma responsabilidade maior, compatível com os poderes que a constituição e, paulatinamente, os demais Poderes republicanos, colocam nas mãos dos municípios.

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