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Raphael Câmara Medeiros Parente

Uma portaria para proteger vítimas e punir estupradores

Notificação do profissional de saúde à polícia pode impedir novos crimes

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Raphael Câmara Medeiros Parente

Doutor em ginecologia pela Unifesp, é secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde

Instado pela Defensoria Pública da União (DPU), o Ministério da Saúde publicou portaria realizada por equipe técnica sobre o atendimento a mulheres que buscam aborto nos casos previstos em lei. A ação foi necessária em razão da lei 13.718/2018, que tornou pública e incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual.

É corriqueiro afirmarem que o Ministério da Saúde não é técnico nem tem médicos. Sou professor universitário, ginecologista, mestre em epidemiologia e doutor em ciências. Temos um diretor da área que é obstetra, com quatro pós-doutorados, além da equipe de excelência do ministério, que segue as diretrizes do ministro e do presidente.

Comissão Mista da Medida Provisória n° 894/2019 realiza audiência pública para conceder pensão vitalícia a crianças com microcefalia causada por zika. Em pronunciamento, coordenador do Grupo de Trabalho Materno Infantil do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro; na foto, o ginecologista e obstetra Raphael Câmara Medeiros Parente.Foto: Jane de Araújo /Agência Senado
O ginecologista e obstetra Raphael Câmara Medeiros Parente, secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde - Jane de Araújo - 11.out.19/Agência Senado

É necessário dizer que a versão deste ano da portaria só difere da de 2005 em dois pontos: que os profissionais reportem o crime de estupro à polícia e que preservem vestígios para a punição do agressor. A comunicação à polícia quebra o ciclo de sofrimento pelo qual mulheres e crianças passam.

Deixa-se de punir o aborto quando há gravidez advinda de estupro, risco de morte e anencefalia. O certo seria, após cada aborto realizado por um médico, haver uma investigação, assim como é feito em homicídios por legítima defesa. Itens da nova portaria estavam no texto de 2005 e não foram alterados, embora tenham sido criticados como se fossem propostas da atual gestão, como a presença de um anestesista.

Outros procedimentos listados na primeira portaria —que sofreram críticas e revogamos— fazem parte da conduta médica, como o ultrassom e o termo de consentimento. O ultrassom confirma a idade gestacional, além de certificar a gravidez. Já a assinatura do termo com a lista de possíveis complicações é obrigatória por lei, pois aborto por estupro é procedimento eletivo com riscos.

Foi dito que a portaria transforma o serviço de aborto em delegacia policial por fazer diversas perguntas sobre como ocorreu o estupro. Só que a portaria atual em nada mudou a de 2005 nesse aspecto. A de 2020 acrescentou que se deve entregar à polícia “evidências do estupro”.

Hospitais têm o dever de manter cadeia de custódia que permita identificação do criminoso, assim como em casos, por exemplo, de o cirurgião encontrar um projétil. Isso servirá para auxiliar a polícia no confronto com o DNA dos acusados. Foi assim que o estuprador recente de Pernambuco teve o seu crime comprovado.

É difícil entender como se pode ser contra a portaria proposta. Também fomos criticados por a lei prever que as gestantes devem ser avisadas sobre a possibilidade do crime de falsidade ideológica. Só “esqueceram” de dizer que isso em nada mudou da portaria de 2005.

Uma situação passou despercebida no episódio de Pernambuco. As normas técnicas do Ministério da Saúde, feitas em 2015, somente autorizam o aborto por violência sexual até 22 semanas. Essa idade gestacional foi ultrapassada. Argumentaram que o Código Penal não dá limite. Fica a reflexão: estaremos daqui a pouco realizando abortos por estupros com nove meses de gravidez? É aceitável injetar substâncias letais no coração do bebê durante o procedimento do aborto mesmo que exista chance de sobrevivência?

O Código de Ética Médica aponta que “o médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei”. Fica claro, então, que a portaria apenas faz cumprir a lei de 2018. Sendo dever legal, não se fala em quebra do sigilo.

O Conselho Federal de Medicina (CFM), autarquia responsável pela ética, não se manifestou contra a portaria. Os mesmos que dizem defender as mulheres ignoram que pesquisas mostram que a população brasileira é contra a descriminalização do aborto, sendo que a taxa de mulheres contrárias é maior que a dos homens. O Brasil tem a triste marca de quatro estupros por hora em crianças de até 13 anos. Ficaremos a olhar sem nada fazer?

Cabe às autoridades oferecer proteção a essas mulheres, abrigo seguro a elas e aos filhos, assim como punição ao agressor. Os mesmos que bradam que em “briga de marido e mulher se mete a colher” dizem que em casos de estupros não se deve fazer nada.

A vítima, destruída física e emocionalmente, que crie coragem e denuncie? Além de covardia, expõe a sociedade, já que aquele criminoso atacará outras. A notificação do profissional de saúde à polícia protege a vítima —e foi para a proteger de estupradores que o Ministério da Saúde atualizou a portaria.

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