Difícil manter a racionalidade e evitar o desalento, quando não a revolta, diante dos relatos da nova tragédia da Covid-19 em Manaus. Pacientes morrem sem oxigênio, médicos revezam-se na ventilação manual e precisam escolher quem receberá atendimento, bebês prematuros ficam a um passo de serem transferidos para outros estados.
A capital amazonense já havia sido devastada nos meses iniciais da chegada do coronavírus ao Brasil. Em abril e maio do ano passado, a cidade enterrava mortos em covas coletivas, tamanha era a multiplicação dos casos e a precariedade dos serviços hospitalares.
Passado o pior da primeira vaga de infecções, as atividades foram gradualmente retomadas, a despeito de dúvidas quanto à segurança dos procedimentos. Levantamento do Instituto Votorantim aponta que o estado já desativou 85% dos leitos de UTI criados entre fevereiro e julho de 2020 para o enfrentamento da pandemia.
Em dezembro, diante do recrudescimento do contágio, o governador Wilson Lima (PSC) editou decreto que voltava a paralisar atividades não essenciais no estado, mas recuou após as manifestações lideradas por comerciantes e trabalhadores dos setores afetados.
Com impactos mais sinistros, devido a deficiências sanitárias históricas, Manaus reproduz a desídia brasileira na gestão da pandemia —que começa obviamente pelo negacionismo mortal de Jair Bolsonaro, ainda que não se limite a ele.
Com atraso criminoso na vacinação, o país assiste desde o final do ano passado a uma nova escalada de infecções e mortes, sem nunca ter de fato controlado a epidemia. A adesão às medidas de distanciamento social caiu continuamente, como tem mostrado o Datafolha, e os governos locais operam na base do cada um por si.
Nada de proveitoso se espera mais do ocupante do Palácio do Planalto, mas ele ainda é capaz de chocar com seu cinismo e sua indiferença ao sofrimento alheio. “Fizemos a nossa parte”, disse sobre Manaus, como se tratasse de alguma barganha de cargos e votos com os aliados do centrão.
A tal parte consistiu, ao que parece, na recomendação de remédios e tratamentos fajutos —papel ao qual se prestou, em texto oficial, o general sabujo que desmoraliza o Ministério da Saúde. Ou quem sabe ainda inclua tentativas atabalhoadas de conseguir vacinas de última hora, da Índia ou de São Paulo, para alguma foto nos próximos dias.
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