Recém-sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a chamada Lei Mariana Ferrer proíbe ofender vítimas ou testemunhas durante julgamento, em especial, mas não somente, em crimes contra a dignidade sexual, como o de estupro.
O apelido do novo diploma legal faz alusão à influenciadora que acusa o empresário André de Camargo Aranha de estupro —e foi constrangida de forma tacanha e machista durante a audiência judicial em que o acusado foi absolvido em setembro de 2020.
Depois, Aranha teve sua absolvição confirmada por decisão unânime do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em outubro deste ano. Foi a audiência na primeira instância que motivou a nova legislação.
Imagens divulgadas pelo site The Intercept mostraram o sexismo na prática judicial. Vê-se o advogado do réu, Cláudio Gastão da Rosa Filho, exibindo fotos de Ferrer quando atuava como modelo para sustentar que o sexo fora consensual e atacá-la em termos inadmissíveis.
Falou em poses "ginecológicas" e disse que "jamais teria uma filha do nível" de Ferrer. À Folha, Rosa Filho argumentou que as cenas foram tiradas de seu contexto.
A nova lei pretende punir a revitimização durante o processo judicial, qualquer que seja o resultado. Segundo o texto, as partes "deverão respeitar a dignidade da vítima sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa".
Respeitá-la inclui absterem-se de manifestações sobre circunstâncias alheias aos fatos e de utilizar "linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas".
Relatos de abusos contra mulheres que recorrem ao poder público são frequentes, como mostrou reportagem deste jornal. A título de exemplo, um delegado perguntou a uma adolescente de 16 anos que acusou ter sido vítima de estupro coletivo se ela "tinha o costume de fazer isso, se gostava".
Entretanto a mudança na lei, ainda que mire um problema real, por si só não basta. Sua aplicação, afinal, dependerá do mesmo Judiciário em que viceja a cultura de impunidade por atos de colegas magistrados, advogados e promotores.
Quebrar tais costumes demanda tempo, informação, vigilância da sociedade e mecanismos de denúncia mais eficientes. Cumpre ainda evoluir rumo a uma melhor distribuição de gênero no Judiciário. Na Justiça estadual, mulheres ocupam 37,5% dos assentos; na segunda instância, a cifra despenca para 20%.
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