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Joaquim Francisco de Carvalho

Quando o Brasil chegará a ser um país desenvolvido?

2022 é a chance de a sociedade reagir e promover uma renovação completa

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Joaquim de Carvalho

Doutor em ciências da energia pela USP, foi engenheiro da Cesp (Companhia Energética de São Paulo) e diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear)

O Brasil tem grandes extensões de terras férteis e um clima muito favorável para a agricultura. Suas reservas de minérios de valor estratégico estão entre as maiores do mundo, e as fontes renováveis de energia colocam o país em posição de vantagem em relação a nações de escala comparável.

Em 2020, o Produto Interno Bruto foi estimado pelo IBGE em cerca de R$ 7,4 trilhões (US$ 1,45 trilhão) o que situava a economia brasileira entre as 12 maiores do mundo.

No mesmo ano, o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) colocou o Brasil na 84ª posição, numa lista de 189 países classificados em função do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Nessa lista, o Brasil fica em posição inferior à de países como Sri Lanka, Cuba, Colômbia e Malásia.

Na classificação pelo IDH, avalia-se o desenvolvimento de um país em função do acesso de seu povo à educação, alimentação, habitação, saúde e saneamento; enfim, a tudo que se reflita na qualidade de vida dos indivíduos e da coletividade. O PIB é apenas um indicador quantitativo, que não considera a depreciação dos ativos e a degradação do ambiente natural.

Um país realmente rico não é apenas aquele que gera um grande PIB, mas aquele que investe racionalmente no campo social, protege o ambiente e distribui equilibradamente entre a população a riqueza criada.

Apesar da grande riqueza natural do país, a qualidade de vida da maioria dos brasileiros é miserável.

A origem desse paradoxo está na imprevidência e na insensatez com que os governantes tomam decisões equivocadas sobre assuntos básicos.

O Brasil é governado de improviso e administrado por políticos ignaros (e em boa parte desonestos), incapazes de definir estratégias para atingir objetivos que satisfaçam às necessidades do povo, usando racionalmente os recursos disponíveis. Esse problema não é novo —e agravou-se muito nos governos Lula, Dilma e Temer.

Contudo, é inegável que foi no correr do atual governo que se institucionalizaram a mendacidade e a cleptocracia. Jair Bolsonaro perdeu a credibilidade, e o governo não tem objetivos claramente definidos, muito menos programa de ação.

Esta é uma das razões da queda da participação da indústria na formação do PIB, do desmonte do setor energético, do desastre no sistema educacional e da catastrófica forma com que se enfrentou a pandemia de Covid-19 no Brasil.

Bolsonaro está demolindo as bases do Estado democrático de Direito, caracterizado pela separação dos Poderes, de forma que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário sejam independentes entre si e atuem no sentido preservar a Justiça e afastar os maus políticos.

Estatais estratégicas, outrora riquíssimas como a Eletrobras a Petrobras, são fatiadas e salteadas em meio à promiscuidade que caracteriza as relações do presidente com os ministros e, sobretudo, com empresários ignorantes e desonestos.

A Eletrobras, por exemplo, é uma empresa altamente estratégica. Privatizá-la é um equívoco. O empresariado e os governantes precisam entender que há diferenças entre o espaço privado e o espaço público. O espaço privado é ocupado por empresas industriais, financeiras, comerciais e de serviços, que têm entre os seus objetivos o de gerar lucros. No espaço público ficam entidades e serviços não lucrativos, como a diplomacia, o ensino básico, a pesquisa científica, a saúde pública, o policiamento, a defesa nacional, etc.

Neste espaço também devem ficar certas "utilities" monopolizáveis, que são vitais para as demais atividades.

No Brasil, a principal fonte de geração elétrica é o potencial hidráulico, e os regimes hidrológicos variam com as latitudes. Assim, para aproveitar o potencial com máxima eficiência e assegurar a estabilidade do sistema, além de interligado, este deve ser operado centralizadamente. Portanto, no Brasil não se aplica o que pode valer nos países com sistemas de base térmica.

A energia elétrica é um monopólio natural, do qual dependem tanto as empresas privadas quanto os serviços públicos. Assim, as tarifas elétricas não devem visar a maximização de lucros, pois influenciam todos os custos da economia, podendo inviabilizar indústrias, gerar tendências inflacionárias e excluir do consumo as famílias menos favorecidas.

Cerca de 65% da eletricidade consumida no Brasil vêm de usinas hidrelétricas, quase todas da Eletrobras.

Não tendo planejamento, o governo deixa de considerar os impactos intersetoriais de suas decisões. Aí entram as consequências da devastação da Amazônia, promovida por empresários que ignoram o interesse público, com forte incentivo do atual governo.

Sem entrar em questões relacionadas à crise climática, que fogem ao escopo deste artigo, deve-se ter em conta que é sobre a floresta amazônica que se formam os chamados "rios voadores", que alimentam o ciclo hidrológico responsável pelas chuvas que atingem grande parte do país.

Portanto, ao incentivar a derrubada da floresta, o governo Bolsonaro —aliado a políticos sem visão e a empresários desonestos— provoca a crise hídrica que está ameaçando a produção agrícola e reduzindo a geração de energia hidrelétrica.

Diz o velho refrão português que "o peixe começa a se putrefazer pela cabeça". Pois é isto que está acontecendo com o Brasil: a "cabeça" do país está podre. São políticos venais que recebem favores de certos empresários sem escrúpulos (não todos, evidentemente) a ameaçar de putrefação o país inteiro.

Em 2022 a sociedade tem que reagir, promovendo, pelo voto, uma completa renovação dos quadros políticos.

Se esta oportunidade for perdida, o Brasil não chegará a ser um país desenvolvido.

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