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Sergio Ejzenberg

O custo da gratuidade de idosos no transporte público deve ser bancado pelo governo federal? SIM

Pandemia mudou em definitivo o transporte público e o perfil dos usuários

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Sergio Ejzenberg

Engenheiro, consultor, comentarista de trânsito e transportes e mestre em engenharia de transportes

A Constituição define o transporte como um direito social (artigo 6º) e garante a gratuidade nos transportes coletivos urbanos aos maiores de 65 anos (artigo 230º, §2).

A pandemia de Covid-19 trouxe enormes desafios para o transporte púbico urbano, exigindo a oferta de transporte no nível máximo para evitar superlotação nos horários de pico —ao mesmo tempo em que sofria perda de receita pela redução de demanda, provocando o desequilíbrio econômico dos sistemas de transporte público. A gravidade da situação foi levada ao Senado Federal, onde a construção do Marco Legal do Transporte Público resultou no projeto de lei 3.278/2021 sobre a reestruturação do transporte público. O PL segue em tramitação na Casa.

Passageiros tentam embarcar em ônibus em São Paulo - Rivaldo Gomes - 24.ago.2021/Folhapress

Após o esperado fim da pandemia, que já ceifou 640 mil brasileiros tardiamente vacinados, o transporte público não retornará ao "antigo normal" —que já não era satisfatório para a população, com crônicas reclamações de demorada espera do ônibus em pontos de parada, superlotação e alto valor da tarifa.

A reorganização da atividade humana nas cidades, provocada pela pandemia, reduziu definitivamente as viagens urbanas. O trabalho remoto, o comércio eletrônico e o ensino a distância, que até 2019 vinham ganhando corpo lentamente, tiveram crescimento espetacular nos anos 2020 e 2021, num caminho sem volta.

Também o perfil dos usuários de transporte público mudou. Para fugir do contágio decorrente da superlotação, muitos deslocamentos de pequena extensão (que pagavam tarifa cheia) passaram sendo feitos a pé ou por bicicleta. Continuaram utilizando o sistema público os usuários que têm trabalho braçal ou presencial, geralmente com menor poder econômico e que moram nas periferias urbanas, fazendo longas viagens diárias.

O resultado somado desses fatores está provocando redução de até 40% da demanda do transporte público urbano, provocando seu desequilíbrio econômico e risco de colapso iminente. A inação dos gestores públicos pode redundar na redução da oferta por parte dos concessionários e permissionários do serviço, e a redução da frota provocará maior lotação, maiores esperas e fuga dos usuários, num círculo vicioso até o colapso lento do transporte público. O resultado é o caos na mobilidade urbana, pela explosão de clandestinos, mototáxis, uso de automóveis e motos e dos acidentes de trânsito e congestionamentos decorrentes.

Repassar o custo para o valor da tarifa não é solução, medida cruel para os usuários, pressionados pela redução de renda e desemprego. Impõe-se a visão social da acessibilidade ao transporte público, que deve ser garantida pela razoabilidade da tarifa. Enquanto no Senado se discutem modalidades de gestão mais transparentes e eficazes para remunerar as empresas prestadoras do serviço, resta emergencialmente recorrer ao subsídio para manter o transporte público operando com preço acessível, com as gratuidades impostas pela mesma visão social.

Esse problema acomete praticamente todas as cidades brasileiras e, portanto, é de alçada federal pela abrangência, premência e gravidade. O governo federal deve urgentemente capitanear ações voltadas para a redução de custos dos insumos de transporte (diesel, energia elétrica, impostos cobrados no setor), bancando assim, indiretamente, parte do subsídio. As autoridades estaduais e municipais também têm a obrigação de intervir, complementando o subsídio que permita a continuidade dos seus serviços de transporte público.

Dessa forma pode ser garantida não apenas a gratuidade dos idosos no transporte público, mas também sua própria continuidade, fundamental para toda a população.

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