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Breno Altman

Como enfrentar a extrema direita?

Dualidade entre democracia e autoritarismo não é o crivo real da atual situação planetária

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Breno Altman

Jornalista, fundador do site Opera Mundi e autor do livro “Contra o Sionismo - Retrato de uma Doutrina Colonial e Racista” (Alameda Editorial)

As recentes eleições europeias alarmaram o teatro político, agora agravado pelo crescimento da extrema direita no primeiro turno da disputa parlamentar francesa. O neofascismo, a julgar por esses fatos, continua em rota ascensional. À espera do resultado da corrida presidencial nos Estados Unidos, distintas correntes ideológicas estão em polvorosa. Vitorioso Donald Trump, a democracia liberal poderia estar em grave perigo.

Marine Le Pen, do partido Reunião Nacional - Dimitar Dilkoff/AFP

O senso comum, da esquerda institucional à direita tradicional, parece indicar que, diante de tão grave ameaça, todas as forças democráticas deveriam se juntar para barrar a extrema direita. A contradição principal do planeta, para muitos, seria entre democracia e autoritarismo, como apregoa o governo Joe Biden, em um discurso que pretende isolar tanto o ultraconservadorismo quanto nações como a China, o Irã e a Rússia.

Essa narrativa, contudo, padece de evidente paradoxo. Afinal, por que deveria ser defendido o sistema responsável pela alimentação do extremismo, ao propagar uma brutal onda de insatisfação? Qual o sentido de advogar essa ordem, quando é a sua existência que infelicita a maioria dos cidadãos e os empurra para a pulsão destrutiva da qual se apropriam grupos neofascistas?

Natural que velhas castas se agarrem como náufragos desesperados ao pacto pós-soviético, sustentado pela supremacia das ideias liberais. De republicanos tradicionais a sociais-democratas, esses grupos representam forças dirigentes de um mundo em crise e obviamente não desejam entregar a rapadura.

Por que, no entanto, partidos de esquerda deveriam se juntar a esse roteiro, no qual salta às vistas que seu papel seria coadjuvante e subordinado, além de abrir espaço para a extrema direita monopolizar o discurso antissistema? Não seria pura falcatrua chancelar a estrutura que empurra grande parte da humanidade para o empobrecimento, a desigualdade, a catástrofe climática e a guerra?

Trump em campanha na Pennsylvania - Tom Brenner - 22.jun.24/Reuters

Bem fizeram as legendas progressistas da França, ao constituírem, para enfrentar os extremistas de Marine Le Pen, uma alternativa ao social-liberalismo do presidente Emmanuel Macron, a Nova Frente Popular, ainda que limitada pela presença do Partido Socialista, parceiro da política pró-Ucrânia e pró-sionismo do atual mandatário.

A verdade é que a dualidade entre democracia e autoritarismo está longe de ser o crivo real da atual situação planetária. Essa leitura restringe-se a descrever duas alas empenhadas em proteger, com estratégias e radicalidades diferentes, o mesmo modelo que colocou o mundo à beira do abismo – e que foi estabelecido pelo sistema imperialista liderado pelos Estados Unidos, com seu programa neoliberal e neocolonial.

Somente haverá saída para essa crise profunda através do fortalecimento de coalizões cujo propósito principal seja enterrar o ordenamento hegemônico desde o final da Guerra Fria. Uma solução efetivamente democrática está condicionada à emergência de um novo projeto civilizatório, anti-imperialista e anticapitalista, capaz de converter o mal-estar dos povos em mobilização transformadora.

Aprisionada à armadilha do fim da história, segundo a qual o capitalismo e a democracia liberal seriam a última estação do trem, a humanidade estará cavando sua própria sepultura.

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