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Eleições 2018

Liberar o autofinanciamento deverá elitizar as candidaturas

Em cenário com poucas fontes de recursos, qualquer facilidade pode fazer muita diferença

Diogo Rais
Especial para a Folha
Urnas preparadas em Itumbiara (GO), na eleição municipal de 2016
Urnas preparadas em Itumbiara (GO), na eleição municipal de 2016 - Pedro Ladeira - 2.out.2016/Folhapress

Embora o voto não tenha preço, a campanha eleitoral custa, e muito. Em um cenário com poucas fontes de recursos, dependendo essencialmente do dinheiro público para bancar a campanha eleitoral, qualquer facilidade ou uma nova fonte de riqueza pode fazer muita diferença.

A normatização eleitoral brasileira estipulou um limite máximo de gastos na campanha eleitoral, o chamado teto. Para sua fixação, levou-se em consideração a natureza do cargo e, em algumas situações, o número de eleitores da disputa.

Para presidente, por exemplo, é possível gastar até R$ 70 milhões na campanha de 2018. Para governador, dependerá do número de eleitores do Estado.

Mas a norma eleitoral não estipulou um piso de arrecadação, cabendo a cada partido e coligação ter acesso a determinada quantidade de dinheiro público. Restam poucas fontes alternativas de recursos, como as doações de pessoas físicas, já que se mantém a proibição de doações das jurídicas.

As doações de pessoas físicas têm o limite de até 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior ao da eleição. Porém, se o doador for ao mesmo tempo candidato, não terá o mesmo limite.

É importante lembrar que no projeto da lei havia o mesmo limite de 10% tanto para a doação quanto para o autofinanciamento, mas isso foi vetado pelo presidente.

O veto foi derrubado pelo Congresso em dezembro de 2017 e, embora ainda seja possível que o TSE regule de forma diferente a matéria, atualmente o único "limite" do autofinanciamento seria 100% do teto de gastos.

Estipular como limite do autofinanciamento o mesmo teto de gastos é, na prática, permitir autofinanciamento ilimitado.

Mas qual o problema de deixar o candidato usar, ilimitadamente, seu dinheiro para sua própria campanha?

Não se pode ignorar que, enquanto cabe à população escolher o eleito, cabem aos partidos políticos e coligações escolherem os seus candidatos.

Na prática, podemos votar em qualquer pessoa, desde que o partido político ou coligação já tenha escolhido esta pessoa para ser candidata.

Mas como o partido político escolhe as pessoas para serem seus candidatos?

Cada partido tem liberdade para isso, o que é muito bom considerando o modelo democrático partidário.

Porém, nem sempre teremos certeza dos critérios de seleção, em especial no modelo em que vivemos, com pouca ou nenhuma proteção do filiado diante das decisões do partido político e uma insistente falta de transparência nas decisões partidárias.

A igualdade entre os candidatos não é, e nem será um dia, absoluta.

Um autofinanciamento sem limites pode eliminar muitos postulantes à candidatura, gerando uma classe de candidatos VIPs cuja principal qualidade para sua escolha pode ser o seu patrimônio e sua disposição para gastá-lo em campanha eleitoral, ou seja, valendo muito mais pelo que possui do que pelo que é.

Em um cenário com pouca transparência, as escolhas dos candidatos são realizadas cada vez mais a portas fechadas e, por isso, liberar altos autofinanciamentos é, na verdade, incentivar a escolha de uma elite de candidatos.

DIOGO RAIS é professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da FGV - Direito SP

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