Cidade onde Lula nasceu ficou alheia à notícia de que petista poderia se entregar

Não havia TVs ligadas na loja de eletrônicos (gasta energia) e a Folha não encontrou quem acompanhasse o noticiário

Vinicius Torres Freire
Caetés (PE)

As pessoas no centrinho de Caetés não se davam conta de que Luiz Inácio Lula da Silva poderia se entregar à polícia neste sábado. “Vai se entregar? Vai não!”. “É hoje?”.

Não havia TVs ligadas na loja de eletrônicos (“gasta energia”) e a Folha não encontrou quem acompanhasse o noticiário do dia na cidade onde Lula nasceu (então ainda distrito de Garanhuns).

Mas o povo se agita à menção de Lula. Os clientes sorumbáticos de um bar começam uma algazarra. “Não vai se entregar, não! Se for para a cadeia, voto nele presidiário ou em quem ele mandar”, diz Adeílton Ferreira de Lima, o dono do bar. Sua mulher, Maria José Leite de Lima, diz indignada: “Querem que o povo volte para a miséria”. Ela conta a sua.

Grupo reunido no centro da cidade de Caetés. Todos apoiam o ex-presidente Lula (PT) após ordem de prisão expedida pelo juiz Sergio Moro - Avener Prado/Folhapress

“Antes, no FHC, a gente comia no máximo sardinha de balde [salgada], que tinha de dividir uma para dois. Se comia arroz, era arroz ruim, que tinha de bater para tirar a palha. Me deitei em colchão de espuma só depois de Lula”, diz Maria José.

 

Cerca de 70% das famílias da cidade recebem Bolsa Família. Quase 60% da população tem renda mensal menor do que R$ 85 (renda familiar per capita de 2018).

Pelo IBGE de 2015, o PIB por cabeça de Caetés está na faixa dos 14% menores (o 765º menor de 5.570 municípios), em valor que equivale a um terço da média nacional.

A cidade é de pequenos lavradores e comércio miúdo. Quase metade do seu PIB vem de gasto público (ante 15% da média nacional). Mas cresceu bem neste século.

Em torno das ruínas da casa de taipa onde Lula viveu a primeira infância, os pequenos sítios e casas parecem bem cuidados, com cercas novas de arame farpado, cisternas grandes e parabólicas nos telhados.

Na vizinhança, as pessoas falam de Lula como de um dom Sebastião. “Se for preso, ele vai voltar. Se morrer, vai dizer quem fica no lugar dele”, diz Adriana Oliveira enquanto evita que um bode entre na sua casa, em Vargem Comprida, zona rural de Caetés.

As pessoas reclamam que a vida piorou na crise. É comum ouvir que o salário mínimo “só aumentou R$ 10” neste ano (na verdade R$ 17, para R$ 954. A diferença de R$ 7 mal paga uma corrida de moto-táxi). O botijão de gás caro faz com que gente volte a recorrer à lenha para cozinhar.

“Voto no Lula com as duas mãos. Sou devoto de padim Ciço, de frei Damião e de Lula”, diz Antônio Francisco de Araújo, 81, o Marujo do Xaxado, tocador de zabumba que diz ter sido vizinho de Lula na infância e guia a reportagem pela roça.

A cidade sofreu com a seca de seis anos no Nordeste. Perdeu empregos depois do fim da construção de usinas eólicas da região, em 2016. Mas se anima com a perspectiva de usinas solares, conta Eraldo Ferreira dos Santos, 63, presidente do PT de Garanhuns e sobrinho-neto de dona Lindu, mãe de Lula (primo de segundo-grau do ex-presidente).

Santos é militante de esquerda, crítico da “mídia que representa o poder dominante”, da “usurpação do Executivo” por Michel Temer e do “Judiciário que não respeita os trâmites da lei”. Ataca a “criminalização da política”, enquanto empresários sonegadores ficam soltos, praticando corrupção ainda maior, por não pagarem impostos, acredita.

“Lula levou dinheiro para si? Olhe a situação dos parentes, vivendo uma vida muito modesta em São Paulo, ainda mais aqui, alguns de Caetés até revoltados porque Lula sempre deixou claro que não haveria favor do governo”, argumenta Santos.

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