O poder é cruel com quem não sabe exercê-lo, e eu não soube, diz Collor

Em nova candidatura ao Planalto, ex-presidente diz não se arrepender do confisco da poupança

Thais Bilenky
Brasília

Relegado ao ostracismo depois do impeachment, em 1992, o ex-presidente Fernando Collor (PTC), 68, hoje senador na metade do segundo mandato, diz em entrevista à Folha que foi castigado pelo poder por não ter sabido exercê-lo com maestria.

Em campanha para voltar ao Planalto, nega, porém, que tenha errado ao determinar o confisco da poupança. Disso diz não se arrepender.

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O ex-presidente e senador Fernando Collor (PTC-AL), em seu gabinete - Pedro Ladeira/Folhapress

 

O sr. tem 1% de intenção de voto e a rejeição mais alta. Sua candidatura é séria? Estou acostumado a lutar com as adversidades. Os eleitores de 16 a 34 anos têm avaliação do meu governo de acordo com os livros, que distorceram lamentavelmente muito dos fatos.

De qual distorção se sente vítima? Várias. A começar pelo que chamam, e essa batalha da comunicação nós perdemos, de confisco da poupança. O que houve foi um bloqueio do dinheiro que circulava na economia. A inflação estava em 82% ao mês. Havia instrumentos de especulação financeiros danosos, tínhamos que criar um ambiente em que pudéssemos fazer um congelamento de preços, que é algo terrível, uma medida que a gente deve evitar o quanto possível. 

Foi um equívoco? Era uma necessidade absoluta. Se voltando àquele momento, faria do mesmo jeito. Tem a questão do próprio impeachment, que é uma coisa interessante.

Por quê? Fui retirado da Presidência na suposição de que as acusações que me faziam fossem verdadeiras. Com base naquela entrevista dada à IstoÉ pelo meu irmão, o Pedro.

Foi a Veja. A da IstoÉ foi o Eriberto. Eriberto?

Eriberto França, o motorista. Nossa. Não lembro.

Seu irmão foi convocado pela CPI, PC Farias foi envolvido. A ideia não era somente me afastar da vida pública por algum tempo. Era me destruir. Me destruir fisicamente, me acabar, acabar comigo. Dois anos depois, o Supremo me declarou inocente.

O sr. disse que pensou em suicídio. Superei graças, entre outros fatores, a uma conversa com o Brizola. Eu o recebi no Planalto, o processo do impeachment campeando, ele disse: doutor Getúlio [Vargas, ex-presidente] sofreu uma campanha como essa que você está sofrendo, só que não suportou e deu fim à vida. Eu queria lhe pedir uma coisa: resista.

Jair Bolsonaro pode furar o sistema como o sr.? Não vejo semelhança. Essa coisa irascível dele é meu oposto. Querem comparar o quadro atual com o de 1989. A única coisa que pode se tocar é que, em 1989, tivemos 18 candidatos e, em 2018, estamos tendo 14.

Gostaria de disputar com Lula novamente? [Ri] Se for o destino, o que fazer?

É justa a prisão dele? Foram cometidas injustiças em relação a ele. Eu acho, eu acho, eu acho, eu acho. Injustiças. O processo como um todo. Ele está sendo muito penalizado e isso eu não acho bom, sabe? 

A Justiça mudou o entendimento de corrupção. O sr. foi absolvido porque não tinha ato de ofício, o que a Justiça passou a dispensar. Como vê a atuação da Justiça? A Justiça, essa operação [Lava Jato] é necessária. O que sou contra é a forma. O delator é premiado para declarar aquilo que os procuradores desejam ouvir. Os vazamentos são criminosos, o excesso de pena.

O sr. pediu impeachment de Rodrigo Janot, saiu uma nota dizendo que fez despacho de macumba. Eu? Despacho de macumba? Apareceu uma pessoa [sua ex-mulher Rosane] falando que fazia magia negra na minha casa, logo comigo, que sou uma pessoa que... eu ia ser padre.

Não pratica macumba, magia negra? Não, não, não. Isso está distante de mim como estamos hoje distantes da Lua.

Janot fez seis acusações, uma delas foi aceita e o sr. é réu por corrupção, lavagem e organização criminosa. Como isso aconteceu?  [Checa anotações] Haverá na Justiça um momento em que a minha inocência irá prevalecer e a verdade virá à tona. 

No curso das investigações, houve a apreensão de carros de luxo na Casa da Dinda, o que reforçou a imagem de que o sr. é beneficiário de privilégios que o poder favorece. O sr. mudou depois do impeachment? A minha vida sempre foi exposta. É público e notório que sempre tive carros bons. Agora, que eu me senti invadido literalmente, isso me senti. 

O senhor vem de Lamborghini ao Senado? Não, nem de Ferrari. [ri]

A ação da Lava Jato com o sr. é mais virulenta do que 1992? Ou a investida está mais profanada? Não. O termo é até um pouco perigoso, porque pode suscitar um outro termo vindo de minha parte em relação a você. Profanado não. Eu não fui profanado. É bom deixar esse termo de lado porque a minha falta de paciência sobe muito rápido.

O sr. xingou Janot em um desses momentos de perda de paciência? Deve ter sido, seguramente foi. Na sabatina para a recondução dele, eu sentei na frente e não tirei durante 2h40 os olhos de cima dele. E dizia: filho da puta, você é filho da puta [sussurra].

A denúncia foi aceita e o ministro Edson Fachin se tornou símbolo da Lava Jato no Supremo. Como avalia a postura dele nos processos? [Telefona do fixo para um assessor e pergunta que horas são] Desculpe, como?

Como avalia a postura do Fachin? Bom, ele é o relator das ações que correm contra mim e eu por motivos óbvios não posso emitir opinião.

O Supremo se tornou alvo de escrutínio. Os ministros estão à altura? Claro. O Supremo já está reagindo a um fato consumado que é essa preponderância do juizado de primeira instância e Ministério Público, no sentido de colocar as coisas no seu lugar, cada um no seu quadrado.

O seu impeachment foi comemorado nas ruas e o sr. ficou oito anos inelegível. Sente que foi amaldiçoado pelo poder? Não. Ninguém é amaldiçoado pelo poder. O poder é cruel com aquele que não sabe exercê-lo. Eu não soube exercê-lo na plenitude. O poder castiga aqueles que não sabem manejá-lo com maestria, e por isso eu paguei. 

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