Descrição de chapéu Eleições 2018

Baseada em recomendação de comitê da ONU, advogados de Lula apresentam defesa ao TSE

Estratégia do PT é explorar politicamente ao máximo a questão da ONU no processo junto ao tribunal

Letícia Casado
Brasília

Os advogados do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentaram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a defesa do petista contra as contestações de seu pedido de registro de candidatura.

A defesa se baseia, principalmente, na manifestação do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas), que, há duas semanas, recomendou ao Brasil que não impeça Lula de concorrer à eleição até que o processo da Lava Jato que resultou em sua condenação transite em julgado (quando não existe mais possibilidade de recorrer).

A defesa pede respeito à manifestação da ONU de não impedir o petista de participar da corrida eleitoral. 

Em conversas reservadas, petistas admitem que dificilmente o Judiciário brasileiro vai acatar a recomendação do comitê da ONU, mas ressaltam que é essencial explorar o fato politicamente, inclusive para ampliar a campanha internacional a favor do líder da legenda.

Lula está preso desde abril pela Lava Jato. Sua candidatura foi contestada pela procuradora-geral Raquel Dodge, entre outros, porque sua condição jurídica esbarra nas inelegibilidades impostas pela Lei da Ficha Limpa. Ele foi condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava Jato.

Nesta sexta (31), o TSE pode analisar a participação de Lula como candidato à Presidência no horário eleitoral gratuito.

A estratégia do PT é explorar politicamente ao máximo a questão da ONU no processo que tramita no TSE.

Sarah Cleveland, que assina a decisão do Comitê em favor do ex-presidente Lula, disse à Folha que o órgão, formado por 18 especialistas independentes, não atendeu a todos os pedidos da defesa do petista, mas que o Brasil precisa cumprir as recomendações presentes no documento. 

Para o Itamaraty, a decisão do comitê é apenas uma recomendação, mas sem efeito jurídico. "As conclusões do Comitê têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante", informou à época o Ministério de Relações Exteriores por meio de nota.

CORRIDA ELEITORAL

No documento entregue ao TSE, os advogados destacam que o tribunal deve acatar a recomendação da ONU, que entendem ser uma liminar (decisão provisória) a ser seguida pelo país porque o Brasil é signatário do Pacto de Direitos Civis da ONU. Portanto, destacam, o Judiciário brasileiro está obrigado a cumprir suas decisões, já que é signatário do Pacto.

“Tal medida excepcionalíssima –que por nenhum modo é banalizada ou vulgarizada pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU e que apenas é adotada em situações revestidas de inquestionável gravidade– foi proferida na perspectiva de procedimento ainda em curso perante aquele Comitê”, diz o documento da defesa.

Os advogados sustentam que vetar Lula da eleição ou limitar sua campanha provocaria danos irreparáveis.

De acordo com a defesa, não obedecer à decisão da ONU será “um retrocesso, com todo respeito”.

“Permitir que o Judiciário local se imiscua nas atribuições que por força de tratado de direitos humanos (...) e analise a viabilidade formal de representações a eles dirigidas ou mesmo rejulgue a validade de decisões adotadas no âmbito internacional significa, simplesmente, esvaziar por completo a jurisdição de tais importantes órgãos de fiscalização. Com claro risco de comprometimento dos direitos humanos básicos internacionalmente consagrados e com a fragmentariedade de sua implementação pelas nações”, diz o documento.

Para o PT, cabe à Justiça Eleitoral acatar a decisão de outro órgão se uma candidatura está em situação de inelegibilidade: “É dizer: defrontando-se, a Justiça Eleitoral, com decisões provenientes de outros órgãos de jurisdição que repercutam em situação de inelegibilidade, compete, a ela, apenas dar-lhes cumprimento e efetividade no pedido de registro de candidatura, já que eventual acerto ou erro de tais decisões deve ser debatido e questionado nas vias próprias respectivas”. 

“É o caso na espécie”, acrescentam.

Os advogados citam dois artigos de leis para sustentar que é possível suspender a inelegibilidade do petista até que seu processo transite em julgado.

Primeiro, destacam a lei de inelegibilidade, que determina que um tribunal pode suspender essa condição “sempre que existir plausibilidade de êxito da pretensão recursal”.

Também mencionam a lei das eleições, que estipula que “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”.

LULA NA ONU

Os advogados afirmam que o Estado brasileiro já se manifestou três vezes no caso de Lula, que tramita há dois anos na ONU, e, segundo a defesa, reconhece plena submissão à jurisdição do comitê.

Em julho de 2016, Lula formalizou perante o Comitê de Direitos Humanos na ONU uma comunicação individual contra o Brasil em que sustentou que o processo do tríplex na Lava Jato —pelo qual foi condenado depois— ofendia o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário.

De acordo com a defesa do petista, o processo da Lava Jato ameaçava seu direito à proteção contra prisão ou detenção arbitrária; o direito a um julgamento independente e imparcial; o direito à presunção de inocência; e sua proteção contra indevida invasão da privacidade e contra indevidos ataques à honra e reputação.

O Estado Brasileiro foi formalmente comunicado e respondeu que a representação movida por Lula “não poderia ser conhecida, por não ter ele esgotado todas as vias de irresignação previstas no âmbito judicial doméstico”, dizem os advogados. 

Segundo a defesa, o Brasil expressamente reconheceu não apenas a força vinculativa do Pacto, mas também a legitimidade das reclamações formuladas.

Em maio e em outubro de 2017 Lula apresentou novas manifestações ao comitê da ONU, que foram respondidas em setembro daquele ano e em abril de 2018, diz a defesa.

Nesta última, segundo o documento, a Missão Permanente do Brasil no Escritório das Nações Unidas em Genebra disse que “reconhece a competência do Comitê para receber e considerar comunicações de indivíduos submetidos à sua jurisdição que reclamem ser vítimas de violação, por Estado membro, a qualquer dos direitos garantidos pelo Pacto”.

Lula então pediu uma liminar, que foi negada. Recorreu ao comitê em julho, destacando que seu processo sequer havia tramitado do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4a Região) para o STJ (Superior Tribunal de Justiça). Em agosto, o comitê da ONU acolheu o pleito do petista.

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