Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Otavio Frias Filho: Fim da história

Texto publicado originalmente em 14 de setembro de 1995

Otavio Frias Filho

O texto 'Fim da história' foi publicado originalmente em 7 de julho de 1994, na seção Opinião. 

 

Está fazendo seis anos que o americano Francis Fukuyama publicou seu arquifamoso artigo sobre o fim da história. Entre os menos lidos dos mais mencionados, esse artigo identificava no colapso soviético o fracasso da própria idéia de engenharia social. Que tal, então, se a economia de mercado for o limite mais alto e intransponível?

O artigo virou um estigma e o autor uma celebridade, da noite para o dia. Muito curto e escrito em linguagem quase leiga, "O Fim da História?" teve difusão fulminante. Nos meios progressistas, como era de esperar, foi acolhido com indignação e escárnio. Editores recusavam-se a publicá-lo, porque não passava de picaretagem.

Cientista político Francis Fukuyama
Cientista político Francis Fukuyama - Eric Feferberg-21.out.2002/AFP

O autor colocava Marx de cabeça para baixo, desfazendo o que este fizera com Hegel, filósofo do idealismo alemão. Fukuyama emergia da proeza como paladino de um neo-idealismo para o qual a economia era uma superestrutura determinada por sua base, a saber, os estados de consciência, as idéias.

Tudo parecia ainda mais suspeito à luz das origens do ensaísta. Trabalhava para o Departamento de Estado e para o instituto de pesquisas da Força Aérea dos EUA. Graduado em ciência política e letras, não poderia discutir as complicações de Hegel, como o próprio texto, aliás, concedia. Além disso, não tinha sentido que um descendente de japoneses fizesse descobertas numa área tão pouco técnica.

Fukuyama foi apontado (e deixou-se usar, evidentemente) como garoto-propaganda da nova ordem mundial, da "pax americana", do neoliberalismo, da globalização, do fim das ideologias etc. Não houve moda ou mania à qual seu nome não aparecesse ligado. Ele surgia nas fotos com um sorriso de vitória na cara de estudante coreano; era o Bill Gates das ciências humanas.

Tudo isso apenas para comentar como é estranho ler (ou reler) o artigo agora, depois de soterrado pela avalanche de citações, provas e contraprovas. O texto apareceu em 89 numa revista americana ligada ao "establishment" diplomático e militar, três meses antes da queda do Muro.

Em nenhum momento Fukuyama diz que estão extintos os conflitos e as mudanças sociais. Com o "fim da história" continuaria a haver crises, eventualmente guerras, e ele não deixa de apontar o Islã e os neonacionalismos como obstáculos à vitória final da Idéia.

O seu ponto é que essa Idéia mitológica ganhou forma material pela primeira vez no Atlântico Norte, que assim escapou ao terreno da história no sentido de que não tem mais etapas a cumprir, ingressando no tédio, como o autor faz questão de enfatizar, de um aperfeiçoamento constante.

Nós, do antigo Terceiro Mundo, continuaremos a chafurdar nas misérias da história e nas trevas da crença até que se imponha o fato de que a economia de mercado, levada à sua última extensão e consequência, é a destinação inelutável de toda a humanidade, reconciliada enfim com a natureza e livre da ilusão de poder remoldá-la.

Leviano e temerário, incapaz de disfarçar uma intenção propagandística estranhamente combinada com excesso de imaginação, o artigo de Fukuyama pelo menos ainda está na história; é tão anos 90 quanto o milk-shake foi anos 50, mas a sombra de suas profecias só tem crescido sobre as gerações. 
 

Otavio Frias Filho
Otavio Frias Filho

Diretor de Redação

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