Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Otavio Frias Filho: Saudades do comunismo

texto publicado originalmente 12 de fevereiro de 1998

O texto 'Saudades do Comunismo' foi publicado originalmente em 12 de fevereiro de 1998 na seção Opinião.

Foram duas as notas dominantes nos comentários sobre os 150 anos do "Manifesto Comunista", de Marx e Engels. Ressaltou-se a acurácia com que os autores, já em 1848, descreviam o que hoje chamamos obsessivamente de "globalização". Exceto pela informática, obviamente ausente, a primeira parte do "Manifesto" parece descrever o mundo atual.

Ao mesmo tempo, foi reiterada a fama de que Marx, embora bom de diagnóstico, era péssimo na terapêutica. Toda a parte propositiva do texto, em que são compiladas as condições para a superação, aliás "inevitável" e "iminente", do capitalismo, "desmanchou no ar" com o colapso socialista, deixando um rastro de desilusão e terra arrasada.

Vale recordar, para o leitor que não tenha o texto em mente, qual é a estrutura do "Manifesto". Ele começa pela afirmação de que a sociedade sempre esteve dividida por antagonismos: patrício e plebeu, senhor feudal e servo etc. Na sociedade moderna, a burguesia se opôs à nobreza e a derrotou, impondo seu império ao mundo inteiro.

Capa do livro "Manifesto Comunista", de Karl Marx e Friedrich Engels
Capa do livro "Manifesto Comunista", de Karl Marx e Friedrich Engels - Reprodução

​O mecanismo dessas substituições é a disparidade entre "meios de produção" e "relações de produção". Ou seja: as relações entre os grupos sociais, ajustadas ao estágio de desenvolvimento da economia, logo entram em descompasso com ele, que evolui mais rapidamente, e se tornam caducas, permitindo que um novo grupo imponha relações mais funcionais.

O incremento da técnica e das trocas torna o conflito cada vez mais universal, até surgir um grupo tão majoritário —o proletariado— que sua ascensão ao poder, com a consequente abolição da propriedade privada, resulta inelutável, até mesmo como requisito para que os meios de produção continuem a evoluir de forma mais racional e produtiva.

Esse é o núcleo mínimo do esquema, muito sedutor, como já foi observado, não só pela simplicidade e abrangência, mas porque autoriza uma visão confiante sobre o futuro extraída não de bons sentimentos, mas da própria dinâmica do processo histórico. Não é preciso lembrar quantos crimes e loucuras essa visão por sua vez autorizou.

Até pelo menos 1989, mesmo quem não era marxista no fundo pensava em função desse esquema evolutivo. Sem ele, a História voltou a ser um caos sem começo nem fim, sem sentido ou direção; essa é, sem dúvida, a maior das crises mentais da nossa época, e praticamente tudo o que está acontecendo se explica em conexão com ela.

Já que a História não tem propósito, então tudo é permitido, cada um deve voltar-se ao próprio egoísmo. É curioso que o próprio "Manifesto" contempla, sem refutá-la, a objeção que terminaria por sepultar o experimento socialista: "Tem sido objetado que, com a abolição da propriedade privada, (...) a preguiça universal se instalará entre nós".

É fácil incluir o marxismo no capítulo das ingenuidades cientificistas do século 19. Mas quando lembramos que existem, faz tempo, condições materiais para que todas as pessoas sejam alimentadas; ou mesmo quando prosaicamente ficamos horas no trânsito ao lado de outros carros vazios... Uma ordem mais racional não pode ser algo de tão absurdo.

Otavio Frias Filho
Otavio Frias Filho

Diretor de Redação

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